As Santas Casas estão sendo estranguladas pelo poder público, que não só paga mal, como frequentemente não paga pelos serviços prestados por elas no Sistema Único de Saúde (SUS). Como mostrou reportagem do Estado, algumas instituições do interior paulista estão a ponto de fechar as portas por causa da falta de repasses das prefeituras, aliada à defasagem na tabela do SUS. A situação é similar nos outros Estados. Como os hospitais filantrópicos respondem por mais de 50% dos atendimentos do SUS e entre 60% e 70% dos atendimentos de alta complexidade, se esse quadro não for revertido a saúde pública entrará em colapso.
Dos 2.172 hospitais filantrópicos do País, 968 são responsáveis por todo o atendimento hospitalar de seus municípios. De um total de 170 mil leitos, 126 mil (74%) se destinam ao SUS. São cerca de 6,5 milhões de internações por ano e mais de 280 milhões de atendimentos ambulatoriais só para o SUS.
O Ministério da Saúde informa que está em dia com os repasses para esses hospitais. Mas isso não é suficiente. Em razão da defasagem na tabela, o governo cobre, em média, apenas 60% dos custos do sistema. Os restantes 40% ficam por conta dos hospitais filantrópicos, que acabam por assumir dívidas a juros de mercado com os bancos. Em 2005 a dívida dessas instituições era de R$ 1,8 bilhão. Hoje já ultrapassa R$ 20 bilhões. Nos últimos anos, 218 hospitais fecharam as portas, cerca de 35 mil leitos foram desativados e em muitas regiões a oferta de serviços foi severamente reduzida.
Esse déficit só faz crescer ano a ano, e seguirá crescendo, já que a tabela do SUS não é reajustada há 15 anos e fica mais defasada a cada dia. Desde o Plano Real até 2018, enquanto o salário mínimo aumentou 854% e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor do IBGE, 506%, a tabela do SUS foi reajustada em 93,7%.
O Estado de São Paulo tem conseguido, em parte, reverter essa situação por meio do programa Santas Casas Sustentáveis, que desde 2016 tem feito uma distribuição de recursos mais qualitativa, de acordo com a complexidade dos serviços prestados e das necessidades da localidade atendida, condicionando-a a metas de gestão. Para hospitais de atendimento complexo, os repasses estaduais chegam a ser 70% superiores aos pagos pelo SUS. É um modelo a ser seguido por outros Estados, e o próprio Ministério da Saúde tem ensaiado mudanças nos seus critérios de financiamento.
Ainda assim, como mostra a reportagem do Estado sobre as Santas Casas no interior de São Paulo, estas e outras medidas, como linhas de crédito mais suaves da Caixa Econômica Federal ou do BNDES, são paliativas e só aliviam os sintomas, deixando intacta a origem da doença: a defasagem na tabela. Com essa hemorragia crônica que há 15 anos sangra os hospitais filantrópicos, suas estruturas e finanças foram a tal ponto precarizadas que muitos encontram dificuldades de obter crédito e até de se cadastrar no programa Santas Casas Sustentáveis. Segundo Edson Rogatti, presidente da Federação das Santas Casas e Hospitais Beneficentes do Estado de São Paulo, das 400 Santas Casas existentes no Estado, apenas 68 conseguiram se cadastrar no programa.
A situação é ainda mais alarmante quando se considera que o envelhecimento da população imporá cada vez mais pressões ao sistema de saúde. Além disso, o Brasil gasta pouco com saúde. Segundo estudo recente da OCDE, os EUA, por exemplo, dedicam 16,9% do seu PIB à saúde, sendo 14% de recursos públicos. No Brasil o total é de 9,2%, e apenas 4% são de dispêndio público.
Enquanto isso, o governo federal decidiu arbitrariamente extinguir o DPVAT, que destina 45% de sua arrecadação ao SUS, o que representou nos últimos dez anos R$ 37 bilhões. Já em relação ao reajuste na tabela, continua a se ouvir de Brasília um silêncio ensurdecedor. Se nada for feito, os hospitais sem fins lucrativos continuarão agonizando na UTI e, em breve, boa parte dos 150 milhões de brasileiros atendidos pelo SUS só poderá contar com a misericórdia das seguradoras e hospitais privados.