O voto de Minerva do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, que ajustou em 0,5 ponto porcentual o corte da taxa básica de juros (Selic), desarmou o discurso político do governo que atribuía a ele e à austeridade monetária do BC todas as mazelas econômicas do País. Não há como contestar o caráter técnico da decisão que reduziu a Selic para 13,25% ao ano, após um ano estacionada em 13,75%. Mas, ao mesmo tempo que reiterou o embasamento das decisões da autoridade monetária, Campos Neto esvaziou, ao menos por enquanto, as críticas políticas.
O resultado veio a galope. Meia hora depois do anúncio do corte, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dava entrevista na porta do Ministério. Não de improviso, como de costume, mas em um cenário montado, com púlpito e organização cuidadosa. Entre as costumeiras loas a projetos de governo, destacou o desempate de Campos Neto em um colegiado dividido entre o corte de 0,25 e 0,5 ponto porcentual. “É um voto técnico, calibrado, à luz de tudo o que ele (Campos Neto) conhece da realidade do País.”
O ministro deu a senha para o armistício do Planalto com o Banco Central. Desde o início do governo, Lula da Silva e assessores palacianos têm criticado a autonomia da instituição, ensaiando movimentos para derrubar a lei que a estabeleceu, em 2021, tendo como principal objetivo assegurar a estabilidade de preços. São a autonomia e a independência legal que permitem aos diretores do BC ignorarem tentativas de ingerência e fixarem a taxa básica de juros com base nos parâmetros de inflação, atividade econômica, política fiscal e comportamento das contas públicas, além do cenário externo.
Com base nesses critérios, o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) reforçou o “firme objetivo” de manter a política monetária contracionista até que a inflação convirja para a meta “no horizonte relevante”, ou seja, de 4,9% neste ano, 3,4% em 2024 e 3% em 2025. E, apesar de ter descrito, com todas as letras, que considera adotar o mesmo “ritmo apropriado” de queda nas próximas reuniões – serão mais três ainda neste ano –, desde que mantida a atual tendência para os mercados interno e externo, a decisão do BC já deu início a especulações no mercado financeiro em torno de cortes mais robustos à frente, na casa de 0,75 ponto porcentual.
Não parece ser essa a tendência. Mesmo com a sintonia evidente entre Haddad e Campos Neto, reiterada por ambos em diferentes ocasiões, a política monetária do BC deve caminhar de forma apartada dos pressupostos do governo. Obviamente, não em confronto. Afinal, o BC é também governo, embora com um presidente indicado pela gestão anterior, como rege um dos princípios da autonomia (mandatos não coincidentes).
Haddad e Campos Neto compõem, com a ministra do Planejamento, Simone Tebet, o Conselho Monetário Nacional (CMN), que em sua reunião mais recente decidiu instituir o modelo de meta contínua para a inflação. Em vez do exercício fechado, de janeiro a dezembro, a meta terá um fechamento contínuo, com um horizonte de tempo de atuação que caberá ao BC definir. Podem ser 12, 18 ou 24 meses, por exemplo – o que estende também o prazo do planejamento para chegar ao objetivo estipulado.
As expressões “serenidade” e “moderação” substituíram “parcimônia”, usada pelo Copom no comunicado anterior. São praticamente sinônimos, mas, como se trata de definição sobre a dinâmica dos juros, qualquer nuance representa um grau a mais ou a menos de intensidade. Algumas preocupações permanecem, como a lentidão da queda da inflação neste segundo semestre, a desaceleração do PIB no próximo trimestre e as muitas incertezas no cenário externo. Não houve, desta vez, menção à política fiscal.
A ata da reunião, na semana que vem, trará mais detalhes. Mas, mesmo sendo “um voto de nove”, como costuma dizer, Roberto Campos Neto foi protagonista inquestionável da reunião do Copom, a primeira dos dois indicados pelo governo Lula da Silva, Gabriel Galípolo e Ailton Aquino. Mas essa foi, ao contrário do que se esperava, uma mudança que passou quase despercebida.