A mediocridade política em que o Brasil vive já há vários anos reduz o debate público à inútil contraposição entre “otimistas” e “pessimistas”.
Os escritos que tenho postado neste espaço são regularmente agraciados com o epíteto de “pessimistas”, que aceito de bom grado. De fato, quem olha à nossa volta ou reflete sobre nossa história não tem muito a festejar. Na outra ponta, “otimistas” são os pascácios herdeiros intelectuais do conde Afonso Celso (Por que me ufano de meu país) e os empresários, notadamente os do setor industrial, que fazem das tripas coração tentando criar o que chamam de um bom “clima de negócios”. Tarefa hercúlea.
Meus caros leitores poderão objetar que, afinal de contas, o Produto Interno Bruto (PIB) vai crescer 2,4% este ano e que o setor agrícola está se diversificando de um modo promissor. Isso é muito bom. Apenas peço vênia para lembrar que o modesto crescimento do PIB previsto para este ano se deve quase totalmente às commodities (um pequeno número de produtos primários exportados em larga escala para um pequeno número de países, notadamente para a China) e que esse setor nem de longe abranda nosso desesperante problema de desemprego. Acrescente-se que o governo, só para equilibrar as contas públicas, é forçado a levar até o limite a sua fúria arrecadatória. O que os “otimistas” têm a festejar é, portanto, o fato de o Lula atual ter deixado de lado sua antiga ingenuidade e se rendido sem pejo ao Centrão. Isso é melhor?
A esgrima retórica entre “otimistas” e “pessimistas” seria útil se tivesse lastro em avaliações devidamente fundamentadas, não em meros sentimentos nefelibatas. O ideal é que ambas as pontas indiquem avanços reais na reforma do Estado e no combate ao patrimonialismo e ao corporativismo, vale dizer, tendências percebidas por parcelas expressivas da sociedade com base na análise do funcionamento das instituições e do desempenho de nossas elites. O que vemos, entretanto, é um secular acúmulo de problemas que já levou o Brasil à condição de um país virtualmente irreformável.
Nesse sentido, admito que não sou ou estou otimista. Vejo o Brasil como um país especializado em perder oportunidades, a mais evidente das quais, no passado recente, sendo o ciclo de governos petistas que teve início em 2003, após a estabilização levada a cabo pelo Plano Real, percebida pelo Lula daquela época apenas como uma “herança maldita”. O Lula de hoje é muito melhor, sem dúvida, não porque tenha enfrentado o imperativo das reformas estruturais, mas por ter se rendido (como antes dele havia feito Sarney) à evidência de que em nosso capenga sistema presidencialista não há como governar sem um Centrão.
Começo pelo sistema de governo porque o funcionamento dele é o que nos é dado observar no dia a dia. Permitam-me repetir aqui uma avaliação antológica de Maurice Duverger. Ele não teve oportunidade de observar a era Trump, e certamente por isso se referiu aos Estados Unidos de uma forma um tanto anacrônica. Mas vamos lá. “O sistema presidencial de governo só funciona nos Estados Unidos. Noutros países ele degenerou em presidencialismo, ou seja, em ditadura.”
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, parece entender que a solução para os defeitos congênitos do presidencialismo no contexto institucional brasileiro é o “semipresidencialismo francês”. Deve ter se esquecido de que experimentamos essa fórmula em 1961 como anteparo à tentativa de uma Junta Militar de impedir a posse do vice-presidente João Goulart, legitimamente eleito, que deveria assumir a Presidência após a renúncia de Jânio Quadros. O intento da referida junta não merece comentários, mas quem tem memória por certo se lembra do desastre a que tal experiência nos levou.
Dá-se, entretanto, que a instabilidade latente no presidencialismo brasileiro continuou a se manifestar mesmo depois de 1964, no interior da corporação militar, contrapondo generais a generais. O caso antológico é, aqui, a tentativa do general Sylvio Frota de peitar o general-presidente Ernesto Geisel, em 1968.
Outro fator que me afasta dos “otimistas” é o quadro educacional e tecnológico, que vem sendo melhorado a conta-gotas, mas que se encontra ainda a uma distância sideral do padrão que o Brasil precisa atingir.
Permito-me lembrar, a propósito, os três casos clássicos de “industrialização tardia” que ocorreram simultaneamente nos Estados Unidos, na Alemanha e no Japão nas três últimas décadas do século 19. Antológico, aqui, é o caso dos Estados Unidos. Em 1862, segundo ano da guerra civil americana, o presidente Abraham Lincoln sancionou um projeto de lei concedendo terras pertencentes à União a cada um dos Estados, com a condição de que estes ejetassem o mofado latinório predominante nas universidades aristocráticas da costa leste e impulsionassem as “artes mecânicas e a agricultura”, ou seja, a ciência e a tecnologia. Esta, se sabe, é a origem dos land-grant colleges, que deram uma contribuição inestimável à aceleração industrial.
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SÓCIO-DIRETOR DA AUGURIUM CONSULTORIA, É MEMBRO DAS ACADEMIAS PAULISTA DE LETRAS E BRASILEIRA DE CIÊNCIAS
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