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Cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria e membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências, Bolívar Lamounier escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

Opinião | Por que não saímos do lugar?

Nossas elites pouco ou nada fizeram para projetar um futuro diferente para esse Brasil em que nos é dado viver

Foto do author Bolívar Lamounier

Vinte e quatro séculos atrás, o filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.) sacou o que até hoje nós, brasileiros, parecemos não entender: que uma república (pólis) estável e justa requer uma classe média robusta.

Passamos os sete dias da semana discutindo se Lula e Bolsonaro serão candidatos em 2026 (queira Deus que não), de onde irão tirar dinheiro para financiar suas campanhas e quais serão as consequências previsíveis da vitória de um ou outro. Mas ao essencial nunca vamos: que distorção profunda em nossa estrutura social nos impede de atingir objetivos que aparentemente compartilhamos? Por que não conseguimos promover o bem-estar social num ritmo adequado e sustentável? Por que a corrupção parece não ter fim (e por que o pior exemplo dela são os “penduricalhos” do Judiciário)? Por que a violência não só cresce, como parece se tornar cada vez mais bestial?

A resposta de Aristóteles é um bom começo: nossa classe média é demasiada exígua e carece das habilitações mínimas para assegurar a estabilidade e o bom governo da República. O problema da exiguidade, obviamente, não tem solução dentro de um prazo razoável. Ela é numericamente diminuta porque nunca efetivamos uma reforma distributiva enérgica, com o intuito de criar um empresariado médio, urbano e rural, e também porque nosso sistema de ensino sempre foi excludente e de má qualidade. A estabilidade que ela – a classe média – começou a buscar desde o início do século 20 não foi a da república, foi a dela mesma, notadamente por meio do emprego público (o “Estado cartorial” de que falava o saudoso Hélio Jaguaribe). Atualmente, ninguém ignora que ela conseguiu se organizar em grupos de interesse (“corporações”), legislando benefícios para si mesma nos três níveis da Federação. Nela, o que menos se vê é aquela vocação para o trabalho ou o estudo disciplinado e metódico recomendado pelo calvinismo (não confundir a criação com seu criador, Calvino, o tirano de Genebra). Seu objetivo diário não é contribuir com ideias ou ações para o aprimoramento da política, mas bater o ponto e se apressar na volta para casa para não perder a novela ou o futebol.

A culpa (se esse termo for adequado) não lhe cabe exclusivamente, pois, como anteriormente frisei, nossas elites pouco ou nada fizeram para projetar um futuro diferente para este Brasil em que nos é dado viver. E tampouco faz sentido cogitar para um prazo razoável uma redistribuição de renda e oportunidades que altere substancialmente tal cenário. Mas quiçá possamos levar nosso argumento um passo à frente fisgando ali em cima o termo elites. Deixemos de lado suas conotações habituais de riqueza, poder político, pose aristocrática etc. Entendamos por elite simplesmente os melhores em sua atividade ou na camada social em que se situam. Nessa acepção, qualquer um, do ápice à base da pirâmide social, pode integrar a elite. Basta-lhe transferir uma parte de seus prazeres privados para a esfera pública. Um pouco menos de chopinho com os amigos na esquina e um pouco mais de jornal, informação e discernimento. Um pouco menos de hedonismo e um pouco mais de comparecimento a reuniões ou assembleias nas quais as matérias em discussão sejam o sistema educacional, os disparates insculpidos na Constituição e nas leis, o desmatamento, os supersalários no Judiciário, as aberrações no sistema político, e por aí afora. O futuro dos filhos e netos... Cabe nessa agenda alguma discussão política? É lógico que sim, desde que se entenda que discussão política é uma coisa, xingamento é outra. Entender as instituições é essencial.

Para bem avaliar a sugestão acima, uma breve olhada em nossa estrutura social do ponto de vista da renda pode ser útil. Sabemos que a elite (agora no sentido comum, compreendendo os milionários, os que não dispensam uma viagem à Europa etc.) não deve passar de 15% ou 20% da população adulta; e metade destes detém 50% da renda e da riqueza total do País. A olho nu, podemos estimar que os 30% abaixo dessa minoria compõem as camadas médias, aquelas a que me referi com certa dureza no tocante ao comportamento, mas que nem de longe podem ser consideradas ricas. Seu principal ativo é um emprego estável, obviamente com carteira assinada.

A metade inferior da estrutura acima rascunhada são os pobres, os de baixa escolaridade, os que de manhã saem correndo para não perder a primeira condução – enfim, os que trabalham duro e ganham pouco. Faz sentido tentar encontrar entre esses um pedaço da elite (no meu primeiro sentido)? É claro que faz. No início, um pedaço pequeno, isso é óbvio. Com o tempo, à medida que adquiram novos hábitos e percebam resultados (pressão sobre os que metem a mão no erário a torto e a direito, seriedade com as contas públicas em Brasília, consciência de que pagam impostos proporcionalmente mais altos do que muitos ricaços, serviços públicos condignos à vista dos impostos que pagam...), acredito piamente que o País começará a melhorar. Se não começar, paciência, será porque não tem jeito mesmo.

Opinião por Bolívar Lamounier

Cientista político, sócio-diretor da Augurium Consultoria e membro das Academias Paulista de Letras e Brasileira de Ciências, Bolívar Lamounier escreve quinzenalmente na seção Espaço Aberto

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