Jair Bolsonaro subirá num carro de som na Avenida Paulista hoje à tarde como um homem acuado. O ex-presidente vive o momento mais crítico de sua longa e improdutiva trajetória política – quando emergem, dia após dia, os detalhes da conspiração bolsonarista para tentar um golpe de Estado, tudo tramado nas salas de reunião da Presidência da República. No limite, isso poderá custar não só a proscrição definitiva de Bolsonaro das disputas eleitorais, como também anos de cadeia para ele e para seus sócios na empreitada golpista.
A manifestação, portanto, desvela-se como uma tentativa de resposta política de Bolsonaro diante desse quadro adverso. Seu objetivo é muito claro: demonstrar que, a despeito do futuro nada auspicioso que se lhe apresenta, é ele o único político capaz de liderar a oposição ao governo do presidente Lula da Silva e que abandoná-lo não é uma opção.
Mas dessa oposição – golpista, que insulta as instituições democráticas, ataca a imprensa e prega a violência – o País não precisa. Pode ser que sirva aos propósitos do presidente Lula da Silva, que vestiu a fantasia de herói da democracia contra a ameaça bolsonarista, mas não serve aos propósitos do Brasil, terrivelmente necessitado de uma oposição que ajude a construir soluções em vez de sabotar o diálogo. Definitivamente, não é essa a oposição civilizada e democrática que estará no carro de som para desagravar Bolsonaro – ainda que, por estratégia de seus advogados, não se gritem palavras de ordem contra o Supremo Tribunal Federal nem a favor da ruptura democrática, como de hábito.
Quando convocou seus apoiadores para a manifestação de hoje dizendo que, “mais do que discursos”, o importante é “uma fotografia de todos vocês”, para “mostrar para o Brasil e para o mundo a nossa união”, Bolsonaro nem sequer tentou disfarçar sua estratégia. Essa “união” entre ele e o eleitorado que se opõe visceralmente a Lula e ao PT tem o evidente propósito de constranger os aliados de Bolsonaro que hesitam em seguir a seu lado no momento em que seu envolvimento numa trama explicitamente golpista fica cada vez mais evidente.
À luz das leis e da Constituição, pouco importa se haverá uma multidão ou uns gatos-pingados hoje na Avenida Paulista. É bastante improvável que a Polícia Federal, a Procuradoria-Geral da República e o Supremo Tribunal Federal façam ou deixem de fazer o que se lhes impõe o ordenamento jurídico do País a depender do número de pessoas enquadradas na fotografia por que Bolsonaro tanto anseia.
Se as intenções de Bolsonaro estão claríssimas, resta ver como se comportarão seus aliados políticos. São muitas as suspeitas de que houve, de fato, a intenção de dar um golpe de Estado em 2022 para impedir a posse de Lula e manter Bolsonaro no poder, em desabrida afronta à soberania da vontade popular manifestada nas urnas. É ao lado do líder dessa conspirata que as lideranças de uma dita direita moderada desejam estar?
Nesse sentido, é estarrecedor que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, não só tenha cedido o Palácio dos Bandeirantes como estalagem para Bolsonaro, como ainda tenha aberto as portas da sede do governo paulista, nada menos, para servir de escritório para “reuniões preparatórias” para a manifestação de hoje. O cálculo eleitoral, a lealdade ou a gratidão, seja qual for o nome que se dê às razões de Tarcísio para emprestar a pujança política de São Paulo a um golpista de marca maior, já começam a flertar com a imprudência. Afinal, a rigor, ninguém sabe que rumo a manifestação poderá tomar. Bolsonaristas radicais já deram mostras do que são capazes quando os interesses do “mito” estão sob risco.
Por aí se vê a força de Bolsonaro, que, a despeito de suas aflições judiciais, ainda é capaz de sequestrar a direita tida como moderada e submetê-la a seus propósitos truculentos e antidemocráticos. Não se sabe quanto tempo essa força durará, mas, até que expire, continuará a distorcer as causas liberais e a acarretar imensos prejuízos ao bom debate.