O presidente Jair Bolsonaro foi ao Rio de Janeiro se encontrar com os ex-governadores Anthony e Rosinha Garotinho em busca de apoio à sua campanha pela reeleição. Fossem tempos normais, e fosse o próprio presidente alguém imbuído de espírito público e afeito à dignidade do cargo, seria de questionar a conveniência de obter o apoio do notório casal. Afinal, entre as maiores realizações do casal Garotinho estão o agravamento da degradação da política fluminense e sua entrada no seleto rol de ex-governadores que conheceram as paredes internas do sistema penitenciário do Estado na condição de custodiados.
Mas trata-se de Jair Bolsonaro, a mesma pessoa que não viu problemas em se filiar a um partido político comandado por um condenado por corrupção pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que também já amargou um período na cadeia. O presidente, pois, não é dado a esse tipo de melindre, além de ter padrões morais elásticos o bastante para acomodar os interesses do seu clã entre essas, digamos, inconveniências.
Com a reeleição ameaçada, Bolsonaro recorreu ao casal Garotinho, muito ligado a grupos evangélicos no Estado, como tática para tentar ao menos estancar a rejeição a seu nome. Aos ex-governadores, convém deixar claro, também é conveniente barganhar com o presidente da República para manter o que ainda resta de poder à família em um naco do território fluminense, sobretudo após as trevosas passagens de Anthony e Rosinha Garotinho pelo Palácio Guanabara e o desgaste provocado por seus dias de cárcere.
Informalmente, esse encontro dos clãs Bolsonaro e Garotinho foi considerado o “marco inicial” da campanha pela reeleição do presidente no Estado, com direito a discursos no Porto do Açu, no norte fluminense – espécie de enclave dominado pela família Garotinho há anos –, e ataques aos adversários, malgrado o ato apresentar todos os elementos de uma campanha antecipada à luz da lei eleitoral, só faltando o pedido explícito de votos. Mas aí seria demais.
Dado o retrospecto dos cabeças de dois dos mais parasitários clãs políticos da história do País, é possível afirmar que o melhor interesse público não foi nem de longe o assunto principal da conversa. Bolsonaro, o casal Garotinho e os filhos deste trataram, primordialmente, das condições de sobrevivência política das duas famílias, transformadas em holdings que administram as carreiras políticas de vários de seus membros e associados. No encontro com Bolsonaro, Anthony e Rosinha Garotinho estavam acompanhados pela deputada federal Clarissa Garotinho (PROS) e pelo prefeito de Campos dos Goytacazes, Wladimir Garotinho (PSD), filhos do casal.
A união das famílias faz todo sentido, haja vista que há mais fatores em comum entre Bolsonaros e Garotinhos do que a mera proximidade geográfica de seus redutos eleitorais. Ambos os clãs concebem a política como um empreendimento particular, sobretudo familiar. Em primeiro lugar, estão sempre os interesses familiares. Tanto faz se estes eventualmente coincidem com o interesse público. Quando não coincidem, azar da sociedade. Bolsonaro e Garotinho são casos muito bem delineados da política exercida não como vocação, nem tampouco orientada para o interesse público, mas como um meio de vida em que prevalece a manutenção do fluxo de caixa da família à custa do Estado, por meio do lançamento sucessivo de candidaturas a cada geração que não têm outro objetivo que não a perpetuação do modelo.
Há 20 anos, Bolsonaro declarou ao jornal O Globo que seu plano era “sarneyzar” o Rio, aludindo ao domínio da família Sarney no Maranhão. “Além de Carlos, de 19 anos, que já é vereador, agora pretendo ter o Flávio, de 21 anos, na Assembleia Legislativa”, disse o então deputado federal Jair Bolsonaro. “O Eduardo, de 18 anos, por enquanto ainda está na ‘suplência’. Meu quarto filho, de 4 anos, é o mais perfeito: chama-se Jair (Renan) e é boa-pinta.”
O destino político da pequena Laura, caçula do presidente, talvez só não esteja traçado ainda porque Bolsonaro considera as mulheres seres inferiores. O presidente atribui o nascimento da menina a uma de suas “fraquejadas”.