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Boulos tropeça no caminho de Damasco

PT e PSOL, que se opõem a todas as tentativas de aliviar o peso do Estado sobre os negócios, querem que o eleitor acredite que sua vedete se converteu num campeão do empreendedorismo

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Por Notas & Informações
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O candidato pela chapa PSOL-PT à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, fala muito em “esperança”, mas parece ter entrado mesmo no modo “desespero”. Amargando uma distância de 10 pontos porcentuais de seu adversário, o prefeito Ricardo Nunes (MDB), Boulos propagandeou na segunda-feira “um anúncio inédito na história das campanhas eleitorais, que pode mudar tudo”. Nem tão inédito assim, o anúncio era uma versão mimeografada da Carta ao Povo Brasileiro fabricada pelos marqueteiros do “Lulinha paz & amor” na campanha de 2002.

A Carta ao Povo de São Paulo faz um arremedo de mea culpa: de tanto olhar para os “invisíveis”, a esquerda teria tapado os olhos – além de ouvidos, boca e quiçá o nariz – aos pequenos empreendedores. Na ânsia de provar que, em seu caminho de Damasco, o feroz extremista de esquerda havia se convertido num campeão das liberdades individuais, Boulos admite que “deixamos de falar com tanta gente que batalha, sofre o dia-a-dia das periferias e que buscou encontrar sua própria forma de ganhar a vida”. E vem a epifania: “A periferia mudou”.

De fato, mudou, e não é de hoje. Já em 2016, a Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, fez uma pesquisa em bairros pobres de São Paulo e identificou que categorias como “luta de classes” simplesmente “não habitam o imaginário da população”, para quem “o principal confronto existente na sociedade não é entre ricos e pobres, entre capital e trabalho, entre corporações e trabalhadores”, e sim “entre Estado e cidadãos, entre sociedade e seus governantes”. Para os entrevistados, “todos são vítimas do Estado que cobra impostos excessivos, impõe entraves burocráticos, gerencia mal o crescimento econômico e acaba por limitar ou sufocar a atividade das empresas”. Eis algo que não mudou: em rankings de liberdade econômica e ambiente de negócios, o Brasil segue atolado nos últimos pelotões.

Não por mera coincidência, naquele mesmo 2016 se encerrava um ciclo de 13 anos do PT no poder e inaugurava-se um ciclo de reformas, como a trabalhista e a da previdência, além do teto de gastos, o marco do saneamento e as leis das estatais, das agências reguladoras e da autonomia do Banco Central. Um elemento comum era reduzir o peso e as arbitrariedades do Estado que freiam o potencial de crescimento e perpetuam desigualdades de renda e oportunidades. O outro foi a feroz oposição do PT e do PSOL.

O Partido Socialismo e Liberdade, que por sinal nasceu de uma costela do PT, gosta de se apresentar como a “nova” esquerda. Mas de novo trouxe apenas as pautas identitárias – coqueluche dos apparatchiks das elites que geram repulsa nas classes médias e baixas. Já em política econômica, o PSOL nasceu mais à esquerda e mais retrógrado que o PT, sintomaticamente num motim contra a reforma da previdência de Lula em 2003. Expulsos do PT sob vaias e gritos de “stalinistas”, os fundadores do PSOL inscreveram em seus estatutos a defesa apaixonada da “superação da ordem capitalista” em nome da “necessidade histórica da construção de uma sociedade socialista”.

Quando Boulos deixou de queimar pneus e invadir propriedades para tentar a sorte nas urnas, em 2018, era natural que se filiasse ao PSOL. Afinal, “o Movimento dos Trabalhadores sem Teto”, dizia o seu líder, “não é um movimento de moradia”, mas “um projeto de acumulação de forças para mudança social”. A um repórter do Estadão em 2014, Boulos se disse “um marxista com a missão de acumular forças políticas para a revolução socialista”. Já de barba aparada e terno bem cortado, o deputado Boulos, eleito em 2022, vocalizou sua intenção de derrubar as reformas e o marco do saneamento e votou contra o arcabouço fiscal do próprio governo Lula.

Que ironia ver uma candidatura impulsionada com milhões do contribuinte que formam o pedaço do fundo eleitoral nos cofres do PT buscando seduzir o eleitor “descrente da política, que perdeu a esperança por achar que são todos iguais” e aparecem “de quatro em quatro anos repetindo o que o marqueteiro falou”. Verdade seja dita: em geral, como diz a tal Carta ao Povo de São Paulo, é difícil mesmo “diferenciar quem está de verdade do seu lado dos que querem te enganar”. Mas no caso do PT, do PSOL e de seu candidato a prefeito de São Paulo, talvez não seja tão difícil assim.