É difícil imaginar cena mais emblemática de deboche ao que ainda resta de decência neste país do que o vídeo do notório Sérgio Cabral Filho, publicado por ele há poucos dias, relaxando à beira de uma piscina enquanto dá dicas de filmes para seus milhares de seguidores nas redes sociais. Depois de gabaritar a seção do Código Penal que trata dos crimes contra a administração pública, o que lhe impôs condenações a mais de 400 anos de cadeia, Cabral parece empenhado em fazer de sua condição de criminoso uma caricatura cínica do político “injustiçado” pela Operação Lava Jato.
Solto em dezembro de 2022 por ordem do Supremo Tribunal Federal e liberado de cumprir prisão domiciliar desde fevereiro de 2023 pelo Tribunal Regional Federal da 2.ª Região, o ex-governador do Rio “viciado em dinheiro”, como ele mesmo admitiu à Justiça, resolveu fazer um rebranding, ou um “reposicionamento de marca”, no jargão do marketing. Captando o espírito destes tempos estranhos, nos quais a delinquência pode ser um ativo na era da chamada “economia da atenção”, Cabral tem se firmado como influencer nas redes sociais, onde, além das dicas culturais, tece comentários políticos e oferece opções de turismo no Rio à sua audiência. Nesse mundo reverso, no qual a imoralidade parece ser a nova moral, Cabral tem feito sucesso.
Enquanto aguarda o julgamento de recursos nos mais de 20 processos em que foi condenado por organização criminosa, corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, entre outros crimes, Cabral se diverte nas redes – e na vida real – como um bonachão, um bon vivant com leveza de alma inversamente proporcional à pesadíssima carga penal que carrega nas costas.
Aqui não se trata, é óbvio, de ignorar o direito de qualquer apenado de recorrer de condenações por meio dos instrumentos que as leis e a Constituição lhe dão. Mas, no caso de Cabral, o figurino do “injustiçado”, haja vista sua confissão e a devolução de milhões de reais recebidos como propina, é puro escárnio, pois totalmente desprovido de base factual, que dirá de traço de arrependimento genuíno ou de reparo à população prejudicada pelos crimes que este senhor cometeu.
Essa atitude não desvela só a soberba que, a bem da verdade, sempre notabilizou o ex-governador fluminense. Ela ilumina a forma como políticos e empresários graúdos apanhados em malfeitos podem explorar brechas legais, apelos midiáticos e, não menos importante, certa complacência dos tribunais para reescrever suas biografias, não raro retorcendo os fatos que lhes são inconvenientes. Aquele homem que, autorizado pela Justiça, desfruta do dolce far niente em uma piscina emoldurada pelo Pão de Açúcar é o mesmo que quase levou o Rio à falência e, certamente, levou à decadência moral, política e institucional da qual o Estado, até hoje, peleja para se reerguer.
O País, não de agora, passa por um momento em que a credibilidade das instituições tem sido colocada à prova. Portanto, permitir que criminosos como Sérgio Cabral Filho continuem a debochar do Brasil honesto é um duro golpe nos esforços para restaurar a confiança dos cidadãos na política e no sistema de Justiça, sem a qual a democracia fica vulnerável.