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Calor, novo obstáculo à educação

Com escolas públicas despreparadas para enfrentar calor extremo, é hora de adaptá-las emergencialmente, ou o País mais uma vez condenará alunos a retroceder numa aprendizagem já falha

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Por Notas & Informações
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A onda de calor que fez os termômetros ultrapassarem 40ºC em diversas regiões do País há alguns dias escancarou uma realidade de cuja importância poucos se deram conta até aqui: o despreparo das escolas públicas para enfrentar as altas temperaturas. O fato de muitas escolas padecerem de estrutura ruim já seria problemático em tempos normais, mas se torna mais dramático diante do novo normal decorrente das mudanças no clima. Instalações com pouca circulação de ar, sem ar-condicionado e com rede elétrica precária, salas superlotadas, ventiladores quebrados, quadras poliesportivas sem cobertura e falta d’água são incompatíveis com o calor excessivo do presente e do futuro. Como escreveu a jornalista Renata Cafardo neste jornal, “o aquecimento global já impacta a educação hoje e agora” e “não há mais como enfrentar a crise de aprendizagem no País ignorando a crise climática”.

Não mesmo. Recentemente, no Rio Grande do Sul, a Justiça impediu a volta às aulas porque as temperaturas chegariam a 43ºC, num Estado que já precisou fechar as portas de suas escolas em razão das enchentes do ano passado. No Rio de Janeiro, alunos, professores e funcionários de escolas públicas fizeram protestos contra as más condições. Com 200 entre 1.234 unidades de ensino no Estado sem climatização, o governo fluminense autorizou escolas a reduzir à metade a carga horária presencial durante a onda de calor. Relatos de crianças passando mal e se ausentando das aulas foram vistos e ouvidos em diferentes regiões, inclusive na capital paulista e em cidades do litoral norte do Estado.

Os relatos foram traduzidos em números pelos recentes dados do Censo Escolar, do Ministério da Educação, tabulados pelo Centro de Inovação para a Excelência em Políticas Públicas (Ciepp). Neles se constatou, por exemplo, que só uma em cada três salas de aula de escolas públicas é climatizada. São Paulo é a cidade com os piores índices de climatização do País. Manaus, a melhor. Com uma ressalva: o índice registrado, de 33%, é puxado positivamente pelos Estados do Norte e do Nordeste, mais acostumados com períodos de calor excessivo.

Outra pesquisa, do Instituto Alana e do MapBiomas, mostra que seis em cada dez escolas brasileiras estão localizadas em ilhas de calor. Em um terço das capitais, pelo menos metade das escolas – públicas ou particulares – ficam em locais que apresentam desvios de temperatura considerados altos, pois registram pelo menos 3,5ºC a mais de temperatura de superfície em seu território do que a média urbana. Isso afeta a vida e a aprendizagem de cerca de 2,5 milhões de crianças e adolescentes. A falta de vegetação e a urbanização desenfreada são fatores que contribuem para essa situação: 78% das escolas mais quentes não têm área verde no lote ou têm menos de 20% de cobertura vegetal.

São números e relatos que emitem um grito de alerta em escala nacional. Estudos demonstram que o calor extremo compromete a saúde e a capacidade cognitiva dos alunos, afeta o desenvolvimento do corpo e do cérebro de crianças e prejudica a aprendizagem pelo impacto sobre o raciocínio e a memória. Com efeito, trata-se menos de colocar o dedo em riste para o que não se fez até aqui e mais de direcionar esforços para responder às exigências do novo clima. Em áreas como a cidade de São Paulo, por exemplo, conforto térmico nunca pareceu ser exatamente um problema a resolver. Eram outros tempos.

É o momento agora de descobrir se o País de fato aprendeu com as lições deixadas pela pandemia de covid-19, quando impôs a milhões de crianças e adolescentes um dos mais longos períodos de escolas fechadas em todo o mundo. Não é possível esperarmos a construção ou reforma das escolas com base nas recomendações mais atualizadas de ventilação e com soluções baseadas na natureza, capazes de garantir conforto térmico. Há uma urgência em curso e ela passa por uma solução que, mesmo não sendo a ideal, é a possível num estado de emergência: a instalação de equipamentos de ar-condicionado.

A essa tarefa estão convocados, desde já, o governo federal, governos estaduais e prefeituras. O custo social, nesse caso, será inquestionavelmente maior que o custo financeiro dessa adaptação. Ou mais uma vez condenaremos estudantes a ficar sem aulas presenciais e retroceder numa aprendizagem já deficiente.

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