O governo Lula da Silva cedeu aos governadores e aceitou renegociar as dívidas dos Estados mais encalacrados do País. Disfarçada com uma roupagem social, a proposta prevê a redução dos juros dos empréstimos àqueles que aceitarem aumentar o número de vagas ofertadas no ensino médio técnico. Os governadores interessados no pendura também poderão abater parte de suas dívidas de outras formas, por meio da entrega de empresas públicas à União.
Parece uma péssima ideia, e é. Qualquer renegociação séria deveria beneficiar as duas partes, tanto quem emprestou o dinheiro, que não quer levar um novo calote, quanto quem tomou os recursos, que deseja manter seu nome limpo na praça. Para isso, é fundamental que condições mais favoráveis para o pagamento estejam atreladas a contrapartidas firmes, cujo descumprimento deve implicar imediata execução da dívida.
Nada, no processo atual, inspira confiança de que dessa vez será diferente. O Executivo não demonstra qualquer preocupação em receber os recursos, e o histórico de alguns Estados permitiria incluí-los na lista dos chamados devedores contumazes, que fazem da inadimplência um verdadeiro modelo de negócios, muitas vezes com o apoio do Judiciário.
Os Estados devem quase R$ 750 bilhões à União. Se o número impressiona, o que mais chama a atenção é que não são os mais pobres os responsáveis pela maior parte da dívida. São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul respondem por nada menos que 90% desse volume.
O fato de o problema não ser algo generalizado justificaria a adoção de acordos firmados diretamente entre o governo federal e os Estados em dificuldades, que levassem em conta as condições específicas de cada um deles para pagar os empréstimos – e não uma renegociação coletiva como o Executivo propôs.
É impossível não lembrar das experiências anteriores. Na maior delas, em 1997, o governo Fernando Henrique Cardoso assumiu as dívidas regionais para impedir que os Estados continuassem a financiar seus gastos por meio de seus bancos. Em troca, os Estados se comprometeram a privatizar suas instituições financeiras e distribuidoras de energia.
Aprovada no ano 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) consolidou esse processo ao impor travas aos gastos com pessoal e restrições que limitavam a expansão do endividamento dos entes federativos. Quem descumpria as contrapartidas deixava de receber repasses da União. Foi o caso mais bem-sucedido da história recente, mas tampouco esteve isento de erros.
À época, alguns Estados do Norte e do Nordeste não conseguiram vender suas distribuidoras dentro do prazo estabelecido. A União decidiu, então, assumir as empresas até estruturar uma nova tentativa de privatização. Era para ser algo temporário, mas durou 20 anos e gerou um prejuízo de mais de R$ 20 bilhões à Eletrobras. Diante desse exemplo, é estarrecedor que o governo volte a cogitar a ideia de aceitar estatais para amortizar dívidas.
As administrações petistas de Lula e Dilma Rousseff só acentuaram os problemas que já existiam ao incentivar o endividamento dos Estados. Mesmo aqueles com baixa capacidade de pagamento foram alcançados, a pretexto de incentivar investimentos públicos, mas os governadores beneficiados usaram o dinheiro para autorizar concursos públicos e conceder reajustes salariais.
Novas renegociações foram necessárias durante os governos Michel Temer e Jair Bolsonaro. Foi quando o Rio de Janeiro se superou. Vendeu a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), como o acordo estabelecia, mas embolsou todo o dinheiro sem pagar o que devia à União, deixando o governo federal a ver navios.
A expansão do ensino médio técnico é o que supostamente justifica a mais nova renegociação das dívidas estaduais. Fica difícil acreditar nisso quando aquele que supostamente seria o maior interessado nesse acordo, o ministro da Educação, Camilo Santana, não estava na reunião com os governadores. Sua ausência fala por si: nem é preciso fazer curso técnico para saber quem vai pagar essa conta.