O Brasil vive tempos inquietantes. A democracia, que deveria se firmar sobre o equilíbrio entre os Poderes, vê-se ameaçada por um protagonismo exacerbado do Supremo Tribunal Federal (STF). Não se trata aqui de uma análise política, mas de um alerta institucional de quem tem consciência da enorme importância e responsabilidade da Corte Suprema.
O tribunal, que deveria ser o guardião da Constituição, tornou-se, na prática, um superpoder, extrapolando suas funções e avançando sobre as prerrogativas do Legislativo e do Executivo. A invasão de competências, longe de fortalecer a Justiça, gera insegurança jurídica e fragiliza a democracia. A liberdade de expressão, pedra angular de qualquer democracia sólida, tem sido relativizada em nome de uma suposta defesa da ordem democrática.
A censura disfarçada, sob o pretexto de “combate à desinformação”, tornou-se prática recorrente. Perfis são derrubados, jornalistas são silenciados, cidadãos são intimados sem amplo direito de defesa. O devido processo legal, princípio sagrado em qualquer nação civilizada, parece ser um detalhe incômodo diante da síndrome persecutória de um Judiciário que se transformou em ator político.
O artigo 5º da Constituição Federal estabelece, de forma cristalina, que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. No entanto, decisões monocráticas do ministro Alexandre de Moraes têm ignorado essa garantia, impondo bloqueios financeiros, prisões arbitrárias e sanções sem a devida tramitação judicial. O inquérito das fake news, do qual o ministro é vítima, investigador e juiz, é um tiro de morte no princípio da imparcialidade, base elementar da Justiça.
O inquérito não apenas atropela o Ministério Público, que constitucionalmente tem a prerrogativa de conduzir investigações, mas também viola direitos fundamentais, impondo censura prévia e restringindo a liberdade de expressão sob justificativas nebulosas. A falta de transparência e de critérios objetivos no processo torna a perseguição política uma ameaça real. Quando a Suprema Corte age como polícia, promotoria e tribunal, o risco de abuso de poder se torna evidente.
Um dos pilares do Estado de Direito é a previsibilidade jurídica. No entanto, o STF tem reiteradamente modificado entendimentos sobre o foro privilegiado sem qualquer respaldo legislativo. A Constituição estabelece regras claras sobre o foro especial para determinadas autoridades, mas o Tribunal, apoiado em crescente politização, reconfigura o ordenamento jurídico sem o devido processo legislativo. Lula, ex-presidente, foi, corretamente, julgado em primeira instância. Agora, Bolsonaro, também ex-presidente e sem foro privilegiado, será julgado pelo STF. Como salientou o ex-ministro Marco Aurélio Mello, o STF, pior do que acontecia na época do regime de exceção, se declarou competente para as ações penais relativas ao 8 de Janeiro. E, até o momento, não existe detentor da prerrogativa de ser julgado criminalmente pelo STF. Decisão extravagante que, mais uma vez, corrói a credibilidade da Corte.
Ao atropelar competências do Congresso Nacional e reinterpretar dispositivos constitucionais conforme interesses momentâneos, o STF age como legislador e compromete a harmonia institucional. O império das leis cede espaço ao império das vontades.
Outro ponto que revela o ativismo preocupante do STF é a sequência de decisões que favorecem a impunidade. A Operação Lava Jato, responsável por revelar esquemas bilionários de corrupção, sofreu sucessivos golpes vindos da Corte. Decisões anulando condenações, reinterpretando prazos prescricionais e desqualificando colaborações premiadas desmontaram a maior iniciativa anticorrupção da história do País.
O mais emblemático desses retrocessos veio com as decisões do ministro Dias Toffoli, que reescreveram a história recente ao declarar nulos processos inteiros, sob a justificativa de supostas irregularidades.
A Transparência Internacional denunciou recentemente à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) o que classificou como um “desmonte das políticas de combate à corrupção” no Brasil.
Réu confesso, Antonio Palocci fechou acordo de colaboração premiada e delatou propinas de R$ 333,59 milhões supostamente arrecadas e repassadas por empresas, bancos e indústrias a políticos de diferentes partidos durante os governos de Lula e Dilma. Pois bem, os crimes foram apagados por uma canetada de Dias Toffoli. Com uma ponta de compreensível melancolia, a Transparência Internacional encerra sua denúncia com a seguinte constatação: “Se o Brasil antes exportava corrupção, agora exporta impunidade”.
É imperativo que o Congresso Nacional retome seu protagonismo e que a sociedade civil esteja atenta. O Brasil precisa de um STF forte, mas dentro dos limites institucionais que a Constituição impõe. A Justiça só cumpre seu papel quando é imparcial e previsível. Quando o arbítrio se traveste de legalidade, a liberdade se torna refém da força. O Brasil precisa despertar. Ainda há tempo.