A conta da covid-19 começou a chegar para as empresas. Passados três anos desde o início do surto que vitimou quase 700 mil pessoas no País, as restrições econômicas impostas pela pandemia atingiram em cheio companhias de todos os portes e dos mais diversos setores. Dados reunidos pela Serasa Experian e publicados pelo Estadão revelam um cenário preocupante. No mês passado, 92 empresas entraram com pedido de recuperação judicial – mais que as 67 de janeiro de 2022 e as 49 de janeiro de 2021. As falências tiveram 72 requerimentos no mês passado, ante 46 em janeiro de 2022 e 40 em janeiro de 2021.
O caso mais significativo é o das Americanas, palco de uma das maiores fraudes contábeis da história, mas não se resume a ele. Consultorias que atuam na área preveem uma explosão de pedidos de recuperação judicial e falências no primeiro quadrimestre. Ricardo Knoepfelmacher, sócio da RK Partners, disse ao Estadão que seu escritório – responsável pelas principais reestruturações de empresas no País – recebeu um volume de consultas 300% maior nos últimos meses. Para ele, não há dúvida: é o início de uma onda de empresas médias e grandes “pedindo água”.
Pode parecer paradoxal que os negócios tenham conseguido sobreviver ao período mais intenso da pandemia, em 2020, quando medidas de isolamento social eram a única forma de impedir que o vírus circulasse. Mas, para muitos deles, isso só foi possível em razão de circunstâncias muito específicas de uma época em que havia boa liquidez e baixas taxas de juros, o que permitiu o lançamento de linhas de crédito especiais pelo governo e até mesmo iniciativas próprias para rolar as dívidas de clientes por parte dos bancos.
Se à época esses empréstimos tiveram relevância fundamental para impedir demissões em massa, recompor capital de giro e limitar falências e recuperações judiciais, hoje as dívidas têm sido renegociadas em um cenário muito mais adverso e desafiador. Com a taxa básica de juros no maior nível desde 2017, em 13,75% ao ano, o crédito ficou mais caro e escasso, e os bancos estão mais exigentes no processo de aprovação de financiamentos. Como esperado, essas dificuldades têm atingido micro e pequenas empresas, mas não apenas elas. Das 92 empresas que entraram em recuperação judicial no mês passado, 15 eram de grande porte.
Trata-se do resultado de uma conjuntura bem mais ampla, fruto de uma inflação muito elevada por causas externas e internas – a desorganização das cadeias produtivas após o período crítico da pandemia, as consequências da guerra na Ucrânia no preço do petróleo e a gastança que o governo promoveu na tentativa de reeleger Jair Bolsonaro. A alta dos preços exigiu um aumento dos juros, o que levou o endividamento e inadimplência das pessoas físicas a níveis recordes ao longo do ano passado.
Com um orçamento mais apertado, as famílias passaram a adotar um comportamento mais cauteloso e a conter o consumo, o que atingiu em cheio os negócios das pessoas jurídicas. No fim do ano passado, o número de empresas inadimplentes atingiu o recorde histórico de 6,4 milhões. Como explicou Luiz Rabi, economista da Serasa Experian, a inadimplência da pessoa física puxa a das empresas, e quando os problemas atingem até mesmo as grandes companhias é porque “está feia a coisa”.
É hora de o governo agir com lucidez e de parar de boicotar a si mesmo. É sabido que o nível da taxa básica de juros inibe o crescimento da economia. Reduzi-la é um desejo de todos, e não apenas do presidente Lula da Silva. Porém, para baixá-la de forma consistente e sustentável, o Executivo precisa fazer sua parte e apresentar de uma vez um arcabouço fiscal crível o suficiente para ancorar as expectativas de inflação. É o primeiro passo para reduzir os juros reais e criar condições para que o Banco Central diminua a Selic. Em paralelo, medidas para dar algum fôlego à recuperação da economia, como o programa de renegociação de dívidas, precisam sair do papel, mas como apoio, e não como solução. O momento exige mais responsabilidade fiscal do governo.