É constrangedor que, em 2023, com 35 anos de vigência da Constituição de 1988, tenha gente que acione a Justiça para pedir a imposição de censura a meios de comunicação. Mas mais constrangedor ainda é constatar que existem juízes que concedem o tal pedido autoritário.
No dia 6 de dezembro, o juiz José Eulálio Figueiredo de Almeida, da 8.ª Vara Cível de São Luís (MA), determinou a exclusão de duas reportagens do Estadão relativas a retransmissoras de TV concedidas pelo ministro das Comunicações, Juscelino Filho, a uma emissora ligada ao grupo político dele no Estado do Maranhão. E exigiu que os três jornalistas autores das reportagens assinassem uma carta de retratação redigida pela autora da ação, a TV Difusora do Maranhão.
A decisão da Justiça maranhense era uma óbvia violência à liberdade de expressão e de imprensa. Buscava não apenas impedir o acesso da população a material jornalístico de evidente interesse público, mas impor uma versão dos fatos. Na tal “retratação” exigida pela decisão, o jornal e seus repórteres deveriam afirmar que “noticiaram informações falsas”.
Trata-se realmente de uma visão muito peculiar sobre o Estado Democrático de Direito. Um juiz do Maranhão se achou no direito de censurar notícias desagradáveis às lideranças locais – no caso, Juscelino Filho, ministro das Comunicações –, e ainda pretendeu assumir o papel de árbitro da verdade, determinando o que seria falso e o que seria verdadeiro e como a notícia deveria ser noticiada. Segundo o juiz, a “intervenção judicial” era necessária porque, “ainda quando seja verdadeira a notícia, esta deve ser divulgada sem exageros, sem embustes, sem tendenciosidade e sem afronta”.
Felizmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) agiu rapidamente. Na sexta-feira, dois dias depois, o ministro Cristiano Zanin suspendeu a censura imposta contra o Estadão. Na avaliação de Cristiano Zanin, a decisão da Justiça do Maranhão “utiliza-se de argumentos genéricos, sem justificar suficientemente o motivo da restrição à liberdade de imprensa”. Além disso, “não há informação nos autos de que a notícia seja falsa ou sabidamente maliciosa”, disse o ministro do STF.
Reconhecendo elementos de “manifesta restrição à liberdade de expressão no seu aspecto negativo”, em afronta à Constituição e à própria jurisprudência do STF, Cristiano Zanin afirmou que a determinação de retirada das matérias jornalísticas do site do Estadão configura “evidente obstrução ao trabalho investigativo inerente à imprensa livre, além de caracterizar embaraço ao repasse das informações à opinião pública”.
Diante de decisões como essa da Justiça do Maranhão, é preciso recordar o óbvio: não há censura no País, nenhum juiz tem o poder de censurar matéria jornalística. Além disso, esse tipo de decisão deve servir de alerta para o Supremo e para toda a sociedade. A compreensão sobre liberdade de imprensa na Justiça brasileira é ainda muito frágil e incipiente. O patamar de respeito aos direitos fundamentais é rigorosamente muito baixo.
Ou seja, ao proferir orientações jurisprudenciais – como fez recentemente a respeito da responsabilidade dos meios de comunicação por conteúdo de uma entrevista publicada –, o STF deve ter presente que são esses magistrados que analisam os casos que chegam à Justiça. É com esse Judiciário que a imprensa tem de lidar diariamente na defesa das liberdades de expressão e de imprensa.
O Estadão simplesmente noticiou (i) que o ministro Juscelino Filho concedeu 31 retransmissoras de televisão para a TV Difusora, ligada ao grupo político dele, e (ii) que um pedido da emissora para expandir a operação de retransmissão de TV foi despachado em meia hora por Antonio Malva Neto, diretor do Departamento de Radiodifusão Privada e antigo sócio em um escritório de advocacia de um dos acionistas da emissora. “É evidente que existe interesse jornalístico nos relatos em questão”, afirmou Cristiano Zanin. No entanto, o juiz do Maranhão achou que sua função era censurar o jornal. Há ainda muito, muitíssimo, a avançar.