Há séculos a China é o país mais populoso do planeta. Na última década se tornou também o maior produtor industrial, maior exportador, com as maiores reservas internacionais e, em poder de compra, a maior economia. Mas, no dia 15, o governo anunciou o primeiro declínio populacional desde os anos 60. Naquela época foi algo episódico – consequência da fome –, mas agora será contínuo: em 2050, a população deverá ser 8% menor. A ONU projeta que a população da Índia ultrapassará a da China em abril, e crescerá até um pico, em 2064, de 1,7 bilhão, 50% maior que a da China. Isso não significa que a Índia conquistará as outras primazias da China. Mas tentará. E essa competição moldará o século 21.
A redução demográfica chinesa foi fabricada. Após a fome causada pelo “Grande Salto Adiante” maoista, o Partido Comunista ativou suas políticas de controle, com a campanha “mais tarde, mais longo, menos” – adiar casamentos, ampliar o intervalo entre os filhos e ter menos filhos. Em 1980, implementou a política “um filho”, envolvendo esterilizações e abortos forçados. O milagre econômico chinês resultou em parte da alteração abrupta na proporção entre adultos em idade de trabalho e crianças. Mas, agora que a população está envelhecendo, o peso dos idosos cobrará seu preço. A força de trabalho encolhe há anos, retesando a economia, e o sistema de seguridade está mal equipado. A mais ambiciosa política populacional da história foi não só um crime, mas está se provando um tiro no pé. O Partido reverteu sua política de natalidade, oferecendo dinheiro por mais filhos, acesso à fertilização in vitro e restringindo o aborto – mas sem sucesso.
No passado, a Índia também implementou controles draconianos, incluindo esterilizações em massa. Mas seu insucesso lhe dá agora vantagens comparativas. Sua população não só está crescendo, como é significativamente mais jovem que a da China. Metade tem menos de 30 anos. Com esse bônus demográfico – mais trabalhadores do que dependentes –, a Índia é uma das economias que cresceram mais rápido nos últimos anos, ultrapassou a do Reino Unido como a quinta maior, e até 2030 deve se tornar a terceira maior.
As tensões entre a China e o Ocidente também trazem oportunidades. Mas, para aproveitá-las e extrair o melhor de seu bônus populacional, a Índia tem um trabalho duro à frente. Cerca de 800 milhões de indianos vivem da comida oferecida pelo governo. A desocupação é alta e, apesar de o país ter desenvolvido um polo de tecnologia da informação, a qualificação da massa de trabalhadores é baixa. A participação da indústria é pequena e deficiências como uma infraestrutura e matriz energética precárias e uma burocracia complicada, que prejudicaram a Índia na onda de industrialização asiática, continuam a oferecer obstáculos. Se esses não forem removidos logo, há o risco de que a população envelheça antes de enriquecer o suficiente para sustentar todos.
A China, por sua vez, tem uma população mais educada e uma infraestrutura muito superior. A economia é cinco vezes maior. Mas já há sinais de que está sendo desacelerada pelas obsessões estatistas de Xi Jinping.
China e Índia, contudo, não são só potências econômicas rivais, mas têm sistemas políticos, ideologias e mesmo civilizações rivais. Os orçamentos militares de ambas têm crescido. As tensões estratégicas também, especialmente nas fronteiras do Himalaia. Há uma tendência de aliança entre o Ocidente e a Índia em uma causa comum contra o totalitarismo chinês. Mas a democracia indiana vem se deteriorando, o Ocidente tem de enfrentar as consequências econômicas e sociais de seu próprio declínio populacional e, como a guerra na Ucrânia mostra, essa aliança pode ser mais frágil e transitória do que parece.
O futuro da economia mundial, em resumo, depende em boa parte de até onde a Índia aumentará sua produtividade e até onde a China se retrairá do livre mercado global. Sobre essas engrenagens, à medida que o poder político e econômico se move para a Ásia, a comunidade internacional precisará arquitetar uma nova ordem mundial.