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Ciência como política de Estado

Sem ciência, não há solução factível para os desafios da era digital. Mas a Academia Brasileira de Ciências alerta para a dilapidação do patrimônio científico do País

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Por Notas & Informações
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 A Academia Brasileira de Ciências publicou uma carta com propostas aos candidatos à Presidência. Mais do que um agregado contingente de recomendações, ela é, como diz seu título, uma apologia à Ciência como política de Estado para o desenvolvimento do Brasil.

A ciência no País começou tarde, com a chegada da Corte, em 1808. Então foram criadas as primeiras instituições de ensino e pesquisa, como o Museu Nacional ou o Jardim Botânico, depois acrescidas por outras, como a Fiocruz (1900), o Butantan (1901) e as primeiras universidades. Em meados do século surgiram empresas estatais inovadoras – como Vale (1942), Petrobras (53), Embraer (69) ou Embrapa (73) –, sistemas de gestão e financiamento – como CNPq e Capes (51) ou a Finep (67) – e o Sistema Nacional de Pós-Graduação. A Constituição de 88 alavancou leis inovadoras, como o Marco Legal de Ciência e Tecnologia (2015).

Todos os grandes sucessos econômicos do Brasil – como agropecuária, petróleo ou aviação – estão associados ao ecossistema científico nacional. Desde a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia, em 1985, a parcela do Brasil na produção científica mundial aumentou de 0,5% para 3,2%.

Mas esse patrimônio está ameaçado pela drástica e persistente redução de investimentos. Em dez anos o investimento da União em educação caiu de 19% para 8%. O investimento por aluno é comparativamente baixo no ensino superior – no básico é ainda mais – e 75% das matrículas estão em instituições privadas, a maioria com objetivo de lucro, de baixa qualidade e sem dedicação à pesquisa. “O Brasil precisa de uma revolução na educação”, conclama a Academia, a começar pelo ensino básico, no qual a expansão das vagas não foi acompanhada pela sua qualificação.

Os países desenvolvidos contam, em média, com 4 mil pesquisadores a cada milhão de habitantes. Os 900 do Brasil são poucos, mesmo em comparação à América Latina. A média de investimentos dos países da OCDE em ciência, tecnologia e inovação (CT&I) é de 2,6% do PIB. Os do Brasil já margearam 1,5%. Hoje não chegam a 1%. “Há 40 anos, Coreia e China estavam atrás do Brasil: olhem como estão hoje”, advertiu a presidente da Academia, Helena Nader.

Seria um truísmo dispensável dizer, como diz a Academia, que para promover progressos sociais “toda e qualquer ação estratégica em termos de políticas públicas (seja na área da saúde, meio ambiente, infraestrutura, agricultura e abastecimento, trabalho e emprego, entre outras) deve ser norteada pelo estado da arte do conhecimento científico”, se o atual governo não fizesse o exato oposto.

A Academia elenca três eixos urgentes: aumentar o porcentual do PIB investido em CT&I para pelo menos 2% em quatro anos; capacitar pesquisadores para chegar a 2 mil por milhão de habitantes em dez anos; e garantir a participação de conselheiros estratégicos de CT&I nos órgãos dos Três Poderes, especialmente no Executivo, para que políticas públicas sejam desenhadas e coordenadas com base em evidências.

O Brasil é abundante em terras, biomas, recursos hídricos, ventos e minérios, e ainda conta com uma expressiva população jovem. A ciência é crucial para tirar proveito econômico desses recursos e ajudar o País a enfrentar grandes desafios globais, como a insegurança alimentar ou as mudanças climáticas, por exemplo, diversificando a bioeconomia e a agropecuária ou mitigando o seu impacto na emissão de gases de efeito estufa.

Tanto maior é o desafio na era digital. A União Europeia e países como China e EUA têm planos ambiciosos para setores como inteligência artificial, semicondutores e robótica, e, se o Brasil não os acompanhar, a distância em relação aos seus padrões socioeconômicos aumentará exponencialmente.

Como nota a Academia, “os impactos da pandemia e a aceleração das mudanças climáticas deixaram evidente que as agendas do futuro deverão ser verdes, digitais, sustentáveis e inclusivas”. O material da ponte para esse futuro tem um nome – capital humano – e a principal ferramenta para construí-la também: ciência.