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Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião | As miragens da produtividade

O nosso setor moderno vai bem, obrigado. O problema é o outro Brasil, que nossa herança cultural nos impede de enxergá-lo

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Atualização:

Alguns dizem que a estatística é a arte de mentir com números. Verdade? Meia-verdade. Funciona apenas se o interlocutor não entender dessa arte.

Sempre que lidamos com muitas observações, muita gente, diante de nós está um amontoado de números que não fazem sentido. Precisamos então da estatística, que é a ciência de descobrir ideias importantes em meio ao murundu dos números. Gostemos ou não, em muitíssimos campos é a única maneira de entender o que está acontecendo. Há inflação? O PIB cresceu? Os alunos aprenderam a lição? Olhar os preços no supermercado, perguntar o salário do vizinho ou tomar a lição do filho geram conclusões tolas.

Pelas complexidades dos abundantes números, tanto é fácil enganar o próximo quanto equivocar-se de boa-fé. Neste ensaio, focalizo uma única categoria de erros, de resto, bem frequentes.

Em uma clínica de nutrição, mede-se o peso dos pacientes da enfermaria dos obesos e a dos desnutridos. Encontra-se um peso médio de 70 kg. Faz sentido oferecer a todos uma dieta para esse peso? De fato, essa dieta geraria calorias excessivas para os magros e insuficientes para os gordos. É o conhecido erro de agregar dados que devem ficar separados.

Quem está minimamente próximo do assunto já ouviu dizer que a produtividade do trabalhador brasileiro não avançou nas últimas décadas. Até caiu um pouquinho. Os esforços ingentes de oferecer cursos, contratar consultorias e investir na qualidade se mostram frustrantes. Como é possível?

Mas ocorre aqui, exatamente, o erro de excessiva agregação. O Brasil tem uma indústria moderna, capitalizada e que dispõe de mão de obra bem capacitada. E há também o Brasil velho, enorme, com suas empresas atrasadas, mal geridas e com mão de obra precária. As estatísticas usuais, juntando tudo no mesmo balaio, contam uma história enganosa. Mas, se separarmos os dois Brasis, podemos ver um quadro bem mais esclarecedor.

Nossa indústria moderna tem alta produtividade, em casos, igual à dos países avançados. Ademais, graças a muitos esforços, ela segue aumentando ao longo dos anos. A tabela, juntando tudo, mascara tal avanço e nos deixa perplexos. Já a tabela apenas do Brasil velho reflete a catastrófica produtividade das empresas pequenas e atrasadas. A estagnação está nelas. E como o seu número é muito maior, puxa severamente para baixo a produtividade média, isso porque os ganhos no setor moderno pesam pouco no total. E o que é pior: como a indústria moderna precisa cada vez menos de mão de obra, os que sobram são incorporados nesse setor atrasado e improdutivo. Daí a queda.

Ao desvendar o equívoco resultante de juntar alhos com bugalhos, podemos pensar com mais clareza no problema da nossa baixa produtividade. Claramente, ela não está no setor moderno. Mais ainda, os esforços de aumentá-la nesse setor estão dando bons resultados. O problema está nesse gigantesco Brasil que, quando não é atrasado, é passivo e resignado. É nele que se encontra a raiz do problema.

E, tanto quanto se pode ver, pouco está acontecendo. É verdade, aumentou muito o nível de escolaridade da mão de obra. Mas a qualidade do aprendizado obtido nas escolas é bem medida e pífia. Aí jaz um grande problema, pois é tudo mais difícil quando o processo produtivo requer cada vez mais conhecimentos escolares do que os alunos aprendem. Pergunte-se a um graduado do ensino médio o que é “produtividade”. Ou “eficiência”. É desapontamento na certa. Não obstante, toda a atenção e esforços se voltam para os setores mais modernos. Milhares de consultores empresariais vendem seus serviços para as melhores empresas – com sucesso.

Note-se, à exceção do Sebrae, que as grandes agências de formação profissional têm seus olhos voltados para aquelas empresas já bastante produtivas. Entusiasmam-se sempre com as perspectivas de andar “morro acima” na sofisticação dos seus cursos. Mas empacam antes de ir “morro abaixo”, oferecendo cursos mais simples e voltados para as centenas de milhares de empresas mais modestas.

Mas não é só isso. Grande parte dos cursos oferecidos por elas prepara mão de obra apta para trabalhar em empresas de qualquer porte e qualquer nível. Contudo, os graduados são atraídos pelos salários mais altos e melhores condições de trabalho das grandes empresas. Infelizmente, poucos sobram para as outras. O cobertor da formação profissional é curto e não dá para todos.

É preciso entender: não fazem sentido medidas tópicas ou emergenciais. Tudo tem que começar enfiando na cabeça que o nosso setor moderno vai bem, obrigado (claro, deve sempre melhorar). O problema é o outro Brasil. Nossa herança cultural nos impede de enxergá-lo e de dar-lhe a atenção que justifica. Pelas mesmas razões que educação de pobre é precária, são tópicos e pouco convincentes os esforços para fazer o que é necessário para aumentar a produtividade nas empresas da metade de baixo.

No dia em que a sociedade brasileira passar a realmente se preocupar com o andar de baixo, nesse momento, estaremos no caminho das soluções que, aliás, não são tão misteriosas assim.

Opinião por Claudio de Moura Castro

Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

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