Desde sempre e de formas muito variadas, aprendemos uns com os outros. Apenas na Idade Média Tardia se estruturaram e consolidaram os dois grandes modelos de ensino. O que veio depois é filhote deles.
Na Igreja, respondendo ao adensamento dos conhecimentos abstratos, criam-se as universidades, para transmitir de forma organizada as ideias e temas da Teologia e da Filosofia. Os doutos graduados ganham o título de doutor.
Do outro lado da cerca, cada profissão da época se estrutura numa guilda ou corporação, seja dos pedreiros, carpinteiros ou ourives. A formação de seus aprendizes cabe a um profissional plenamente qualificado. Ao fim de sete anos, ao apresentar sua “obra-prima”, o aprendiz se gradua. Mais adiante, pode virar mestre de sua “arte” (palavra originalmente ligada ao “fazer”, e não à pintura ou música). Ou seja, vira mestre de ofício.
Curiosamente, até as liturgias resistiram. Com efeito, as becas de formatura sobreviveram a todas as revoluções da moda. E na Europa ainda há quem porte os trajes festivos da sua profissão.
Voltemos ao presente e fixemo-nos nos EUA, cujo sistema de pós-graduação moldou todos os outros – em décadas recentes, até a Europa convergiu para ele.
As universidades preservaram algo de suas origens. Os que chegam aos píncaros do conhecimento são doutores. Na tradição anglo-americana, são os Doctors of Philosophy ou Ph.Ds, para o vulgo. Seu título reflete a natureza filosófica ou científica do conhecimento adquirido (a ciência era parte da Filosofia).
Quando a universidade começa a lidar com assuntos práticos, ou seja, as profissões, seus novos títulos refletem o fazer. Adotam o termo Master of Arts (Mestres de Ofício), indicando a natureza aplicada do que ensinam.
Fiel à sua etimologia, os Ph.Ds são oferecidos nas Ciências e Humanidades. E os mestrados (Masters of Arts), na Engenharia, Administração, Medicina e outras áreas aplicadas. Na prática, há muitos outros diplomas e variantes, que não caberia comentar aqui. Mas, pela lógica, um mestrado em Física seria uma contradição semântica, pois trata-se de uma ciência, e não de uma arte.
Aterrissemos, agora, nas plagas tupiniquins. Lá pelos anos 50, praticamente nem tínhamos pesquisadores nem professores para as nossas universidades públicas. Cria-se, então, uma “campanha para a preparação de pessoal de ensino superior” (virou Capes).
E desenha-se, também, o marco legal para estruturar os programas de mestrado e doutoramento. Felizmente, escolhemos o modelo americano. Os europeus eram estupendos, enquanto os pupilos eram poucos. Alunos de Oxford eram convidados a tomar chá com seus orientadores (às cinco, naturalmente). Porém, com a explosão da matrícula, sendo mais industriais, as soluções americanas se revelaram superiores.
Essa foi uma das iniciativas mais bem-sucedidas na educação brasileira. Algumas décadas depois, de zero, nos tornamos o 13.º país que mais publica nos periódicos científicos de primeira linha.
Logo ao início, tomamos uma decisão prudente. Até que amadurecessem os programas, foram provisoriamente apelidados de mestrados, apesar de a maioria ser na área científica – um leve pecado. Como foram concebidos para as Ciências e Humanidades, as regras desses primeiros mestrados eram as mesmas de um doutoramento. Nelas, escrever e publicar são os produtos nobres. Assim avança a sapiência nessas áreas.
Contudo, ocorre um acidente de percurso. Por razões que desconheço, após serem criados os verdadeiros doutoramentos, os mestrados sobreviveram, impávidos! Isso alonga muito a formação, mas este é outro assunto.
Com a evolução da economia, aflorou uma demanda por cursos nas áreas profissionais. Porém, à força, os novos mestrados foram submetidos aos critérios das ciências, e não àqueles da sua essência, que é a aplicação. Isso trouxe uma horrenda distorção em todos os mestrados em áreas aplicadas. Ou seja, tiveram de submeter-se às regras da ciência. Ainda assim, cresceram, pois se expandiu a sua demanda.
Para contornar tal distorção patética, foram criados “mestrados profissionais”. Mas são monstrengos, até no nome, pois, se é mestre, é profissional. Suas regras são quase as dos doutorados acadêmicos: exigência de professores doutores de tempo integral (portanto, muitos sem experiência), zero valorização da competência prática, intermináveis trabalhos escritos (inexistentes nos mestrados americanos), e por aí vai. Passam-se os anos e nada avança.
Há uma retranca intransponível. Capes e CNPq tornaram-se casamatas dos milhares de Ph.Ds que lá trabalham ou servem como poderosos consultores. Parece haver uma “dinastia de Ph.Ds”, entrincheirada nos comitês da Capes e travando os avanços. Pode-se mesmo fazer a conjectura de que, sendo quase todos professores de universidades públicas, temem que, se fosse permitido um verdadeiro mestrado, o setor privado engoliria os públicos, em razão de sua maior flexibilidade e proximidade dos mercados.
A solução menos ruim foi montar um mestrado como deve ser e, então, traduzir seu título para o inglês. Como a lei não reconhece palavras estrangeiras, um MBA não existe. Escapa ileso e vive cheio de alunos.
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M.A., PH.D., É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO
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