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Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Procuram-se fabricantes de nascentes

O Brasil, até agora poupado, está também na iminência de uma crise séria de água, causada pela destruição das florestas

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Na última vez em que fui a Sabará, poderia ter atravessado o Rio das Velhas a vau, apenas arregaçando as calças. Portanto, não fazia sentido a grande âncora que vi em um museu local. Mas matei a charada. Garimpando as imagens do Google, achei duas fotos de navios a vapor que, saindo de Petrolina, iam até Sabará, subindo o Rio das Velhas.

A charada era outra: por que sumiram as águas desse rio? E também as do São Francisco, do Doce e de outros? Para quem sabe desses assuntos, a resposta é simples: cortaram-se as florestas!

Pensemos no círculo virtuoso da água. A chuva cai. Parte é retida nas árvores. O resto atinge o solo e é absorvido. De fato, sob as árvores, o solo é como uma esponja. Cria-se uma gigantesca caixa d’água debaixo das florestas. Mas essa caixa vaza, lentamente, abastecendo os lençóis freáticos. Em algum lugar, esses lençóis viram nascentes que, ao longo do ano, fluem para os rios. Nesse ciclo, mesmo durante a seca, os rios são abastecidos. Nas chuvas e tempestades, as florestas guardam também o excesso de água.

Porém, quando as árvores são cortadas, gera-se um círculo vicioso. A água da chuva escorre célere, pois o terreno pelado não a absorve. Nesse processo, de roldão, a chuva carrega a terra e a matéria orgânica, entupindo os rios. Se chover demais, há enchentes. Porém, no dia seguinte, foi-se toda a precipitação rio abaixo. Os lençóis freáticos secam, ou quase.

Resultado: mais secas, temperaturas elevadas e solos deteriorados. Alguns lugares viram desertos. Mas se forem plantadas e cuidadas, as árvores voltam a fazer o seu serviço. Sebastião Salgado deparou-se com a fazenda da família, totalmente degradada. Inconformado, plantou árvores, reproduzindo a floresta que existia antes. Como mágica, reapareceram 1.500 nascentes.

Tudo indica que, nos próximos anos, a crise da água será um dos problemas mais dramáticos do globo. Já hoje, da ordem de 30 países podem entrar em guerra por disputas na apropriação da água. Os Estados do sudoeste americano, se fossem países, dificilmente poderiam evitar um confronto militar. No Mediterrâneo e norte da África a situação é dramática. O Brasil, até agora poupado, está também na iminência de uma crise séria de água, causada pela destruição das florestas.

No nosso caso, para revertê-la, basta “fabricar nascentes”, pela fórmula simples de plantar árvores, pois a degradação do solo é ainda limitada.

Olho para a minha mesa, de madeira pesada. Pergunto-me então: o que é madeira? Sabemos, é puro carbono. E como a árvore fez para encontrar tanto carbono, para transformá-lo no seu tronco? Do chão não veio. Também sabemos, foi suprido pelo CO2 que existe em suspensão no ar.

Já foi mais do que demonstrado, a queima dos combustíveis fósseis joga um excesso de dióxido de carbono no ar, alimentando o aquecimento global. Mas, encantada, a árvore devora esse carbono. Contribui assim para reduzir o CO2 em suspensão.

Ou seja, plantando árvores, ganhamos dos dois lados. As florestas conservam a água e a fertilidade dos solos. Mas também retiram da atmosfera o dióxido de carbono gerado pelos combustíveis fósseis. Portanto, contribuem seriamente para impedir uma degradação na nossa qualidade de vida.

Simetricamente, na medida em que as florestas são cortadas, agravam-se ambos os problemas. Portanto, é fundamental reduzir ou eliminar esse corte. As novas tecnologias de sensoriamento remoto e chips nos troncos ajudam, mas é preciso vencer a inércia e a complacência. Há adversários a serem vencidos. O lado bom é que o poderoso agronegócio brasileiro não precisa cortar uma só árvore para continuar crescendo.

Tudo o que foi dito converge em uma só direção. É preciso aumentar a cobertura vegetal. Não é fácil, mas é possível. Há um sério potencial nos programas voluntários e filantrópicos. São ainda limitados dentre nós, mas praticados alhures. O Estado tem um gigantesco papel, sobretudo na reposição de florestas parecidas com as nativas. Mas acredito que o fiel da balança seja o reflorestamento como negócio. A prosperidade do nosso agronegócio reflete uma grande vitalidade empresarial. Será que esse dinamismo não poderia se estender para o plantio de árvores? É bem conhecido, há inúmeras fórmulas lucrativas.

Nisso tudo, falta um ingrediente essencial. A sociedade precisa dar-se conta de que seus filhos, netos e bisnetos terão o futuro comprometido pelo descaso presente com o meio ambiente. Precisamos aprender a exigir a implementação de políticas adequadas. Nada de extremos, nem tudo deverá virar santuário e nem podemos destruir com impunidade. Há que encontrar as fórmulas para, simultaneamente, explorar e conservar. E não adianta esperar iniciativas dos outros. Somos nós que precisamos agir, seja plantando, seja protegendo, seja pressionando para que boas coisas aconteçam. Precisamos encontrar mais fabricantes de nascentes. E os empresários precisam conhecer melhor o assunto, para que considerem investir em árvores. Quem vai tomar as iniciativas para que as coisas aconteçam? Este é um chamamento à ação.

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PH.D., CONSULTOR INDEPENDENTE, É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO

Opinião por Claudio de Moura Castro

Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

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