“Estou convencido que tentar mexer na Suprema Corte para colocar amigo, para colocar companheiro, para colocar partidário, é um atraso”, disse Lula da Silva, então candidato a presidente, durante um debate eleitoral em outubro do ano passado. Pouco mais de sete meses depois, Lula, agora presidente, nomeou seu advogado pessoal e amigo, Cristiano Zanin, para o Supremo Tribunal Federal (STF).
As pessoas mudam de ideia, claro. Da campanha eleitoral para cá, Lula pode ter tido uma revelação no caminho do Planalto, convertendo-se ao credo bolsonarista segundo o qual é preciso lotar o Supremo de amigos com quem o presidente “toma tubaína”, com a óbvia pretensão de domesticar a mais alta Corte do País – seguindo o receituário de regimes iliberais como o da Hungria.
Não se sabe se Zanin “toma tubaína” com Lula ou se prefere algo mais refinado, mas a amizade entre ambos é pública e notória. Pudera: Zanin lutou de forma aguerrida na defesa de Lula nos processos da Lava Jato, não raro contra os próprios petistas. É isso, e nada além disso, o que definiu a escolha de Lula, anunciada anteontem, para surpresa de ninguém. O “notório saber jurídico” que Zanin demonstrou, conforme exigência constitucional para o preenchimento do cargo de ministro do Supremo, foi ter usado todos os instrumentos legais à sua disposição não para defender objetivamente seu cliente das acusações de corrupção e lavagem de dinheiro que o levaram à cadeia, e sim para fazer de Lula um mártir; e dos tribunais que o condenaram, tribunais de exceção.
Trata-se de uma farsa essencial para os propósitos de Lula, que pretende reescrever a história de modo a apagar os muitos rastros de corrupção e imoralidade deixados pelo PT em sua passagem pelo poder. Colocar Zanin no Supremo é, portanto, e com o perdão do trocadilho, a suprema vingança de Lula contra aqueles que ele enxerga como seus algozes.
Tudo isso torna letra morta, definitivamente, a “narrativa” de Lula – para empregar um termo de seu gosto – de que sua candidatura presidencial servia ao propósito de liderar uma “frente ampla” na salvação da democracia contra a marcha autoritária de Jair Bolsonaro. Este, como testemunhamos ao longo de quatro penosos anos, empenhou-se dia e noite em desmoralizar o Supremo, tratando-o como uma arena dividida entre vassalos e inimigos, passo essencial para envenenar a democracia. Fosse Lula o estadista que prometeu ser, reverteria essa lógica ruinosa com uma indicação isenta e técnica ao STF, ajudando a reduzir a sensação de que as decisões do Supremo têm sido cada vez mais políticas. Mas a natureza autoritária do chefão petista, mesmo que a companheirada tente sofisticar a “narrativa”, sempre fala mais alto, ainda mais depois dos mais de 500 dias de prisão.
Além disso, Lula deve ter percebido, na semana que passou, que terá vida muito dura no Congresso e nem de longe conseguirá amealhar votos suficientes para emplacar a agenda petista, o que pode fazer do Supremo o plenário para reverter derrotas em votações relevantes e, quem sabe, melhorar a governabilidade. Logo, graças à sua presumível lealdade canina, Zanin certamente terá o papel de líder da “bancada” de Lula no STF. Isso é muito diferente de nomear um ministro que seja alinhado às ideias políticas do presidente, o que é absolutamente esperado e normal. Trata-se, na verdade, de uma absurda subversão do papel do Supremo, acentuada de forma desabrida por Bolsonaro e, como se vê, corroborada sem cerimônia agora por Lula, aquele que venceu as eleições com a solene promessa de fazer diferente.
Ora, o Supremo Tribunal Federal não é “poder moderador” e não deve servir nem como “terceiro turno” do Legislativo nem, muito menos, como linha auxiliar do Executivo – para não falar de um partido. Essa é a convicção do Poder Constituinte. Nunca foi a convicção do presidente anterior, e a indicação de Zanin mostra com clareza meridiana que também não é a do atual.