O Conselho Monetário Nacional (CMN) se reúne hoje para bater o martelo sobre as metas de inflação dos próximos anos. Os objetivos para 2024 e 2025 já foram estabelecidos em 3%, com margem de tolerância de 1,5 ponto porcentual para mais ou para menos, mas podem ser alterados. Falta definir a meta de 2026. Os primeiros meses do governo de Lula da Silva geraram muita apreensão sobre a possibilidade de adoção de metas mais frouxas, mas a aparente mudança do discurso do presidente mostra que ele, felizmente, pode ter abandonado o plano inicial.
Em janeiro, aos desferir os primeiros ataques ao Banco Central (BC), Lula considerava que a meta de inflação deste ano, de 3,25%, era um exagero, e sugeria que a retomada dos 4,5%, que vigoraram entre 2005 e 2010, levaria não só ao afrouxamento monetário, como também a um maior crescimento econômico. Em abril, o presidente foi além e insinuou que a meta atual seria inatingível. “Se a meta está errada, muda-se a meta”, afirmou, à época.
Mais recentemente, no entanto, Lula ajustou o tom de suas declarações. Essa mudança, segundo reportagens publicadas pelo Broadcast, seria mérito do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. A partir de dados e com base em experiências internacionais compiladas por sua equipe, ele teria convencido Lula de que aumentar a meta de inflação com o objetivo de reduzir os juros seria ineficaz.
Entre os gráficos apresentados naquele estudo, destacou-se o desempenho da Turquia, que tinha a menor taxa de juros real, mas também a maior inflação e o maior desvio em relação à meta. O Brasil, por sua vez, liderava o ranking dos com juros, mas figurava entre as nações com menor inflação e menor desvio em relação à meta. Desde então, Lula tem preferido o enfrentamento político e centrado os ataques na pessoa de Campos Neto, deixando de lado questões eminentemente técnicas.
A desaceleração da inflação nos últimos meses corrobora os dados do levantamento do Ministério da Fazenda. É verdade que parte desse resultado está relacionada a fatores externos, como a queda nas cotações das commodities e a valorização do real perante e dólar, mas, para ficar em uma única questão, o arrefecimento da inflação dos serviços é resultado da austeridade da política monetária conduzida pelo Banco Central.
Fato é que o receio quanto a alterações nas metas de inflação se dissipou. A despeito de o governo federal ter maioria confortável no CMN – dois dos votos pertencem a Haddad e à ministra do Planejamento, Simone Tebet, enquanto o terceiro voto é de Campos Neto –, ninguém mais acredita em mudanças nesse sentido.
O que efetivamente se espera da reunião do CMN é que, a exemplo do que acontece em outros países, a apuração do cumprimento da meta não se oriente mais pelo ano-calendário e passe a ser feita de forma contínua, como recomenda o Fundo Monetário Internacional (FMI). Seria uma forma de referendar o trabalho do BC, que já tem colocado o prazo de seis trimestres à frente como horizonte relevante em suas comunicações oficiais.
É bom que seja assim. Definir as metas de inflação é uma prerrogativa do governo, enquanto estabelecer os juros é atribuição do Banco Central, mas a efetividade da política monetária é maior quando há um alinhamento com a política fiscal conduzida pelo Executivo. Nesse sentido, o novo arcabouço é um primeiro passo, mas sua eficácia ainda terá de ser testada na prática. O passado, no entanto, prova que metas de inflação ambiciosas não apenas contêm o avanço dos preços, como também ancoram as expectativas que acabam por guiar as decisões do BC.
Nossa experiência ao longo da década de 1980 mostra que o crescimento econômico gerado pela tolerância à inflação é ilusório e insustentável, enquanto o descontrole de preços é real e perene. O controle da inflação foi fruto do esforço coletivo da sociedade e exigiu muitos sacrifícios. Maior legado do Plano Real, ele representou uma verdadeira conquista civilizatória da qual o País não aceita mais abrir mão. Ao governo, por meio do CMN, cabe apenas reconhecer essa realidade.