O Congresso Nacional não pode ser indiferente ao clamor da sociedade pela moralização da vida pública. No momento, um meio concreto de atender à voz das ruas é dar prioridade ao Projeto de Lei 4.850/2016 – que tem origem nas “10 Medidas Contra a Corrupção” e foi apresentado por iniciativa do Ministério Público Federal (MPF) – atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados.
Esse pacote de medidas anticorrupção recebeu o apoio de mais de 2 milhões de assinaturas, colhidas por voluntários ao longo de sete meses de campanha em todo o País. A massiva adesão popular permitiu que a proposta fosse apresentada ao Congresso Nacional como projeto de lei de iniciativa popular, de forma semelhante ao que ocorreu com a Lei da Ficha Limpa.
Entre outras mudanças, o pacote anticorrupção propõe a criminalização do enriquecimento ilícito de agentes públicos, o aumento das penas para corrupção de altos valores, maior agilidade nos recursos do processo penal, celeridade nas ações de improbidade administrativa, reforma do sistema de prescrição penal, ajustes nas nulidades penais, responsabilização dos partidos políticos e criminalização do caixa dois, bem como prisão preventiva para evitar a dissipação do dinheiro desviado.
No dia 14 de junho foi criada comissão especial na Câmara para o estudo do Projeto de Lei 4.850/2016. A expectativa é de que, uma vez concluídas as indicações dos partidos, o colegiado seja instalado na próxima semana. As medidas propostas fortalecem a legislação de combate ao crime e tornam mais ágil o processo penal. Merecem, portanto, especial atenção por parte do Congresso.
Diante da necessidade de dar prioridade a esse projeto de lei, é prudente a decisão do governo federal de retirar o caráter de urgência de outros três projetos relacionados ao mesmo tema. Impulsionados pela presidente Dilma Rousseff como resposta às manifestações de março de 2015, esses projetos se referem ao crime de enriquecimento ilícito de funcionário público, à indisponibilidade de bens de proveniência ilícita e ao aumento das sanções aos partidos políticos por ilícitos na prestação de contas. São, como se vê, assuntos correlatos às dez medidas anticorrupção propostas pelo MPF.
Anunciada pelo líder do governo na Câmara, deputado André Moura (PSC-PE), após reunião com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a decisão da retirada do caráter de urgência permitirá também que o Congresso estude outros projetos de especial interesse do Poder Executivo, como a renegociação das dívidas dos Estados e a mudança das regras de exploração de petróleo em áreas do pré-sal.
Cabe ao Congresso estudar com diligência as medidas anticorrupção propostas pelo MPF. Não se trata apenas de endurecer o sistema penal, como se a questão da impunidade pudesse ser resolvida com o simples aumento das penas. O combate à impunidade relaciona-se especialmente com a capacidade do Estado de identificar com eficiência as condutas criminosas e aplicar as penas previstas em lei. Não se almeja um Estado carrasco nem tampouco limitar o exercício do direito de defesa. Espera-se simplesmente que a Constituição Federal seja cumprida, tanto em seus direitos e garantias individuais – o princípio da presunção de inocência, por exemplo – como nos princípios que estabelecem a igualdade e a responsabilidade perante a lei, bem como a ordem e a paz social. As garantias constitucionais não levam à impunidade, como equivocadamente alguns querem fazer crer.
Na urgente tarefa de aprimorar a legislação penal e a processual penal, o governo federal tem especial responsabilidade. Cabe-lhe apoiar os trabalhos do Congresso, mostrando que é de seu total interesse o combate à corrupção. Essa será a melhor resposta do governo Michel Temer àqueles que sustentam que o motivo real do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff seria pôr freios à Lava Jato e ao esforço de moralização da vida pública.