Preservação ambiental e desenvolvimento social são imperativos morais. Mas, mais do que satisfazê-los separadamente, uma noção madura de sustentabilidade implica a busca de uma sinergia em que um fortalece o outro. Inversamente, a miséria incentiva práticas ambientalmente predatórias. Por trás dos crimes ambientais na Amazônia, por exemplo, há poderosos grupos de interesse e organizações criminosas. Mas as legiões de garimpeiros, madeireiros ou traficantes de animais na linha de frente são, em geral, pessoas pobres lutando pela subsistência de suas famílias. A devastação que promovem, por sua vez, exaure os recursos necessários para garantir a prosperidade de suas comunidades a médio e longo prazos.
Partindo do princípio de que a integração entre biomas e comunidades humanas é não só possível, mas desejável, o Estadão publicou no Dia Internacional do Meio Ambiente (5 de junho) uma série de reportagens que apontam caminhos a serem trilhados.
A essência da chamada “bioeconomia” é a compreensão de que é possível, a um tempo, manter a floresta em pé e viabilizar processos produtivos que gerem renda às comunidades locais, tornando-as aliadas na missão de conservar os biomas. Na Amazônia, em especial, “temos florestas, áreas desmatadas que podem ser recuperadas, comunidades com conhecimentos tradicionais, produtos relevantes, empresas que querem investir e interesse internacional por produtos da nossa bioeconomia”, disse Salo Coslovsky, do Projeto Amazônia 2030. “Todas as peças necessárias já estão sobre a mesa. Só falta montar o quebra-cabeça.” Isso depende da superação de alguns gargalos, em especial a falta de infraestrutura – transporte, energia, internet –, e de um arcabouço legal que garanta segurança jurídica e padrões de governança.
Há vários exemplos de extrativismo sustentável e rentável, notadamente o açaí, que podem servir de modelo para outros, como a castanha do baru, no Cerrado. Na Amazônia, o pirarucu quase foi extinto pela exploração desmedida da pesca. Desde os anos 90, regras de manejo elaboradas por institutos ambientais com comunidades do Médio Solimões fizeram com que os manejadores na região saltassem de 42 para 1.500, ao mesmo tempo que a população de pirarucus cresceu de 2,5 mil para 155 mil.
Além de fiscalização para impedir que produtos ilegais concorram com os legais, é preciso criar condições para agregar valor à produção local. Em comunidades cacaueiras no Pará, o Instituto Amazônia 4.0 ajudou a criar biofábricas para que, ao invés de enviarem o cacau para ser processado nas metrópoles, o chocolate saísse pronto para o consumo.
Um exemplo de ativação de um círculo virtuoso onde clima, comunidade e biodiversidade se reforçam mutuamente foi o amadurecimento do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ), surgido no Pontal do Paranapanema, na Mata Atlântica, inicialmente para evitar a extinção do mico-leão-preto. Como relata um dos fundadores, Lauren Cullen Jr., a chegada dos assentados da reforma agrária nos anos 80 deflagrou um pânico ambiental. “Que tontos, que ingênuos éramos! Muito da transformação que aconteceu desde então, incluindo quase todos os serviços de restauração que temos hoje, veio dos empreendedores da agricultura familiar.” Hoje, “fala-se muito em nature-based-solutions, soluções baseadas na natureza, mas eu defendo mudar esse termo para people-based-solutions, soluções baseadas nas pessoas”, disse Cullen, que hoje coordena projetos de integração na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal.
No Brasil, velhas oportunidades subaproveitadas – como as concessões para a exploração sustentável de florestas – convivem com novas – como o uso da Inteligência Artificial para monitorar o desmatamento e o comércio ilegal de espécies selvagens ou otimizar o consumo de energia. Crucial para viabilizá-las é desconstruir o antagonismo que frequentemente impera no imaginário das elites urbanas entre conservação ambiental e prosperidade humana. Exemplos como os reportados pelo Estadão mostram que ambos não só podem, como devem se retroalimentar.