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Contingenciamento sem malabarismos

Tese do governo para limitar bloqueio de despesas é rejeitada pela área técnica do TCU e mostra que o efetivo cumprimento da meta fiscal exigirá mais que interpretações criativas da lei

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Por Notas & Informações
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Um parecer da área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) deixou claras as inconsistências da tese que o governo pretende emplacar sobre o tamanho do contingenciamento de despesas do Orçamento. Elaborado em resposta a uma consulta feita pelo Ministério do Planejamento à Corte de contas, o relatório mostra que a proposta de impor limites ao bloqueio de gastos, incluída na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) deste ano, não apenas não tem respaldo legal, como também é uma infração passível de punição dos gestores envolvidos e que, no limite, pode configurar crime de responsabilidade.

O parecer não é impositivo, ou seja, não necessariamente será acatado pelo relator da proposta, ministro Jhonatan de Jesus. E o presidente do tribunal, Bruno Dantas, enfatizou que a competência constitucional para decidir sobre o caso é do plenário. Mas a fundamentação dada pela área técnica não abre espaço para dúvidas sobre o posicionamento que o TCU deveria assumir – a não ser que a decisão da Corte de contas sobre o caso tenha caráter eminentemente político.

Como se sabe, os contingenciamentos foram instituídos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), uma lei complementar, e são o principal instrumento a que o Executivo pode recorrer caso haja uma frustração de receitas que incorra em risco de descumprimento da meta fiscal. Não são, nem nunca foram, opcionais, tampouco podem ser limitados ou eliminados por uma lei ordinária, como é o caso da LDO. Para os técnicos, portanto, a interpretação que o governo tenta emplacar via LDO “abala a harmonia do sistema normativo que rege as finanças públicas e não é a melhor solução para o caso”.

Os servidores do TCU não estão sozinhos nessa avaliação. Nota técnica elaborada pela Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara seguiu a mesma linha. O limite ao contingenciamento proposto pela LDO, supostamente baseado em dispositivos do arcabouço fiscal proposto pelo próprio governo Lula, “subverte a lógica” do próprio arcabouço e “extrapola o espaço interpretativo concedido pelo texto legal”.

O governo tampouco pode se dizer surpreso. Chamados a opinar sobre o dispositivo da LDO que permitia um bloqueio menor, servidores do Tesouro Nacional recomendaram que ele fosse vetado. Foram, no entanto, ignorados pelo secretário Rogério Ceron, que preferiu seguir o entendimento defendido pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), autoras intelectuais da tese do contingenciamento menor incluída na LDO.

É bom lembrar que a AGU e a PGFN tiraram tal solução da cartola quando o presidente Lula, preocupado em garantir a execução de emendas e investimentos em um ano eleitoral, passou a relativizar a importância de cumprir a meta fiscal. De fato, a tese da AGU e da PGFN nunca parou em pé, mas pode ter dado algum tempo para que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tentasse persuadir o presidente sobre a importância da responsabilidade fiscal para a construção da credibilidade de seu governo.

Não se sabe até que ponto o presidente foi realmente convencido, mas Lula da Silva admitiu, na reunião ministerial da última segunda-feira, que cortes orçamentários às vezes são necessários. Livrou, inclusive, o ministro da Fazenda e a ministra do Planejamento, Simone Tebet, da responsabilidade pelos bloqueios.

A arrecadação da União foi recorde em janeiro, e tudo indica que as receitas em fevereiro serão fortes o suficiente para adiar o anúncio de um contingenciamento neste mês. O problema de fundo, no entanto, permanece e voltará a pautar os debates muito em breve. Se há dúvidas sobre se o vigor da arrecadação será mantido durante o ano todo, há indícios de que as despesas obrigatórias foram subestimadas e estão crescendo acima do esperado, o que pode comprimir o reduzido espaço dos gastos discricionários que o governo tenta proteger da tesourada.

Fato é que cumprir o limite de despesas e a meta fiscal exigirá revisão de gastos e reformas estruturais, bem mais que malabarismos criativos como o que o governo submeteu ao TCU.