As autoridades educacionais do governo Bolsonaro insistem em acusar as universidades públicas do País de ineficiência em matéria de formação acadêmica e pesquisa, por terem se convertido em “locais de balbúrdia e doutrinação”. Mas tais críticas têm sido desmentidas pelos números.
Segundo levantamento do Massachusetts Institute of Technology (MIT) sobre parcerias entre universidades públicas e empresas privadas para o desenvolvimento de tecnologia e inovação no Brasil, o número de artigos científicos realizados em coautoria por pesquisadores acadêmicos e pesquisadores das indústrias teve uma taxa média de crescimento de 14% ao ano, entre 1980 e 2018. Foram 1,5 mil artigos publicados em 2018, ante pouco mais de 10 em 1980.
“É comum ouvirmos as pessoas falarem que é muito complicado fazer contratos de colaboração ou que a universidade pública não quer interagir. Mas isso não é mais assim. Há desconhecimento por parte do governo e também dentro da própria academia, influenciado por impressões pessoais que vêm dos anos 1970”, lembra Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
Segundo ele, o desenvolvimento de tecnologia e inovação no Brasil tem esbarrado em dois problemas. O primeiro é o excesso de deferência a países como Estados Unidos, China e Coreia do Sul por aqueles que, como os atuais dirigentes do Ministério da Educação, criticam a falta de produtividade das universidades brasileiras sem levar em conta as estatísticas. Por isso, tanto os argumentos como as alternativas propostas por esses críticos são feitas “no escuro”, diz Brito Cruz. O segundo problema é a falta de diagnóstico preciso da área, permitindo que as políticas de desenvolvimento tecnológico tenham linha de continuidade ao longo do tempo, independentemente das trocas de governo.
Para Brito Cruz, se por um lado a produção conjunta de conhecimento em tecnologia e inovação por empresas e universidades vem crescendo, por outro é preciso que seja desconcentrada. Entre 2009 e 2018, 72% do total de artigos científicos resultantes dessa parceria foram produzidos por dez universidades, das quais se destaca a USP - isoladamente, ela produziu 2,7 mil artigos no período, mais do que o dobro da segunda colocada, a UFRJ. Do lado das empresas, sobressaem-se a Petrobrás, a Vale, a IBM, a Embraer, a Novartis e a Pfizer. Graças à indústria farmacêutica, as ciências da saúde foram responsáveis por quase 30% dos artigos entre 2015 e 2017.
Por isso, em vez de fazer acusações infundadas às universidades, o governo deveria investir na melhoria de qualidade da pesquisa na maioria das instituições de ensino superior, por um lado, e estimular mais parcerias com o setor produtivo, por outro lado. “E isso exige ser visto no mundo, frequentar conferências internacionais na presença de outros centros e empresas”, diz Cruz.
Seus argumentos coincidem com o que tem sido recomendado por entidades internacionais. Na mesma linha do que ele recomenda, o diretor-geral da Organização Mundial da Propriedade Intelectual, Francis Gurry, propõe ao Brasil uma mobilização nacional pela tecnologia e pela inovação, sob o risco de o País perder mercado numa economia global cada vez mais digitalizada e concorrencial. Segundo ele, 60% da inovação mundial vem de 30 grandes “hubs” situados em poucos países - nenhum deles da América Latina. Enfrentar o desafio na área de tecnologia e inovação pressupõe equipes mais numerosas de pesquisadores e isso exige políticas de formação, educação e qualificação, afirma.
Infelizmente, o governo brasileiro parece não ter consciência da importância desse desafio. Enquanto o presidente da República e o ministro da Educação continuarem mais preocupados em fazer críticas infundadas do que em formular e implementar políticas consistentes, o Brasil ficará atrasado na corrida mundial pelo desenvolvimento de tecnologia e inovação.