Entre os desafios do Brasil na 30.ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30), a ser realizada daqui a apenas um ano em Belém do Pará, dois são cruciais: demonstrar ao mundo a importância de investimentos para promover o desenvolvimento sustentável – a combinação de preservação ambiental e prosperidade social – na Amazônia; e provar que tem capacidade de gerir estes recursos com responsabilidade e eficiência. O primeiro é fácil: a realidade fala por si. Mas essa mesma realidade pode ser uma barreira ao segundo.
Sem excluir outras motivações – como as afinidades do presidente Lula com o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), e o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues (PSOL) –, a escolha, em maio do ano passado, da capital paraense tem uma razão óbvia: sediar a COP na Amazônia. Menos evidente é sua capacidade de receber um evento deste porte. O voluntarismo pode custar caro.
A COP-30 será particularmente importante por marcar dez anos do principal pacto climático do planeta, o Acordo de Paris. Estima-se que no mínimo 50 mil pessoas virão à cúpula. A última, em Dubai, recebeu 80 mil. Entre autoridades e suas comitivas, esperam-se de 120 a 150 chefes de Estado.
Belém é uma cidade antiga, com ruas estreitas e trânsito caótico. Com 1,3 milhão de habitantes, a oferta de leitos, segundo levantamento encomendado pelo governo estadual, é de 12 mil – um déficit de 40 mil para a COP. Há apenas quatro hotéis cinco-estrelas e cerca de 800 leitos de luxo. Belém é a capital brasileira com maior porcentual de habitantes em favelas (54%); 80% da população não tem coleta de esgoto; e apenas 2,4% do esgoto é tratado – o resto é descartado na Baía do Guajará. (Diga-se de passagem, assim como o PT foi contra o marco do saneamento que eliminou o monopólio estatal, seus deputados estaduais foram contra a privatização da companhia responsável pelo saneamento na região.)
O governo do Pará oferece empréstimos para reformas ou construção de hotéis. Mas os próprios interessados têm reservas. “A cidade estará lotada o ano inteiro – mas e depois?”, indagou Fernando Soares, do Sindicato de Hotéis e Restaurantes do Pará, a um repórter da Deutsche Welle. “O empresário do turismo, do setor de alimentação, vai pegar os empréstimos oferecidos pelos bancos, vai reformar seus negócios para um único ano? Belém não tem vocação turística. Não tem praia, não é porta de entrada do Brasil. É por isso que esse é um gargalo difícil de ser resolvido.”
Fala-se em utilizar navios para hospedagem. Mas boa parte das operadoras de cruzeiro já fechou suas rotas em 2025, e seria preciso dragar o leito do Rio Guajará e ampliar terminais e estruturas para embarcações menores. O aeroporto não tem capacidade de receber o volume de voos esperado. O governo federal anunciou a disponibilidade de R$ 5 bilhões em linhas de crédito do BNDES para melhorar a infraestrutura até a COP. Mas, segundo levantamento do Valor, só R$ 1,5 bilhão está contratado e em fase avançada de obras e desembolsos. O governo estadual promete ampliações, mas com o prazo apertado o custo será maior, e sabe-se lá qual será a higidez das licitações, sem falar na qualidade das entregas. E resta a questão: e depois?
Um dos legados da Copa e da Olimpíada foi um cemitério de elefantes brancos e esqueletos de concreto. Estádios deficitários, obras de mobilidade inacabadas e centros de treinamento abandonados são verdadeiros monumentos ao desperdício de dinheiro público.
A área ambiental é estratégica para o Brasil. O governo já não tem um cardápio de ofertas muito apetitoso e coleciona fracassos em áreas cruciais, como cuidados com os povos indígenas, combate às queimadas e crimes ambientais, regularização fundiária ou a regulação do mercado de carbono. Se o banquete for servido num local precário, o vexame pode ser redobrado.
A carga simbólica da COP na Amazônia tem sua relevância e Belém tem suas virtudes. Não é preciso renunciar a isso. Mas outras cidades se ofereceram para receber eventos e compartilhar a responsabilidade. É preciso avaliar seriamente essa possibilidade.