A revelação feita por este jornal de que o Ministério da Cultura (MinC) tem usado o Programa Nacional dos Comitês de Cultura (PNCC) para favorecer ONGs ligadas a assessores da pasta e apoiadores do PT na distribuição de quase R$ 60 milhões em recursos públicos pode ser tudo, menos surpresa. Afinal, aí estão outros quatro mandatos presidenciais lulopetistas a demonstrar que, para os companheiros, fomento à cultura é sinônimo de “ação entre amigos”, uma espécie de retribuição a determinados artistas e produtores culturais por seu engajamento ideológico ao governo camarada.
Porém, mesmo surpreendendo rigorosamente ninguém, não deixa de ser escandalosa essa desabrida manipulação de uma política pública para privilegiar certos indivíduos e grupos a partir de seu grau de afinidade com o governo. Ou, o que é ainda pior, por sua eventual proximidade com as autoridades certas.
O PNCC foi instituído em setembro de 2023 pela ministra Margareth Menezes. Há 27 comitês de cultura no País, um para cada Estado e para o Distrito Federal (DF). No DF, um dos primeiros entes contemplados pelo programa, venceu a Associação Artística Mapati, cujo vice-presidente era Yuri Soares Franco, secretário de Cultura do PT-DF. Pouco tempo após a posse do presidente Lula da Silva, Franco ingressou no governo federal como assessor da Secretaria Executiva do MinC, cargo que ocupa até hoje. Até o momento, a ONG da qual o assessor era um dos diretores já recebeu R$ 486 mil de um total de R$ 2 milhões em verbas da pasta a serem repassados até setembro do ano que vem.
Outro caso ainda mais estarrecedor envolve o comitê de cultura do Paraná. Lá, além da suspeita de favorecimento financeiro da ONG Soylocoporti, dirigida pelo petista João Paulo Mehl, houve uma desabrida desvirtuação do lançamento do PNCC, transformado em plataforma político-eleitoral para lançamento da pré-candidatura de Mehl à vereança de Curitiba pelo PT. Além do apoio da presidente do partido, Gleisi Hoffmann, Mehl contou com Margareth Menezes em pessoa no evento institucional, transformado em comício.
Já em Mato Grosso, a ONG selecionada para dirigir o comitê de cultura estadual, um certo Instituto Mato-Grossense de Desenvolvimento Humano, está em nome de Plínio Marques, réu por suspeita de nada menos que peculato e organização criminosa para fraudar, ora vejam, contratos na área cultural. O MinC sustenta que “todas as instituições beneficiadas obedeceram a critérios técnicos”. Por uma incrível coincidência, calharam de ter ligações com o PT e com o Ministério da Cultura.
É questionável se o governo deveria se imiscuir na produção de cultura, que, por óbvio, é viva como é porque floresce espontaneamente no seio da sociedade. Mas, havendo fomento público à cultura, que a política seja orientada por critérios republicanos, não pelo interesse do governo.
Se a cultura deve ser um meio de expressão plural, abrangendo as múltiplas vozes e manifestações da sociedade, o que se vê na distribuição de verbas por meio do PNCC é o exato oposto.