Um encontro recente de representantes dos governos cubano e brasileiro no Ministério da Fazenda, em Brasília, selou oficialmente a reabertura das negociações sobre a dívida de Cuba com o Brasil, que supera meio bilhão de dólares. O débito é praticamente todo referente ao financiamento da reforma do Porto Mariel, obra iniciada em 2010 pela Odebrecht, no final do segundo governo Lula da Silva.
Foi um período de desmesurada generosidade da gestão petista com nações companheiras. Cuba teve tratamento especial, com 25 anos para pagamento do empréstimo de US$ 656 milhões, mais do que o dobro do prazo médio de 11 anos dado aos demais, e taxas de juros quase simbólicas, que chegavam a menos de 5% ao ano. Porto Mariel foi também o único projeto atrelado 100% ao risco soberano de um país.
Nada disso era conhecido à época. Alegando sigilo comercial, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não divulgava detalhes do financiamento, que somente depois dos escândalos de corrupção revelados pela Lava Jato vieram à tona – inclusive em depoimentos de acordos de leniência que agora o ministro do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, que já foi citado por Marcelo Odebrecht como “o amigo do amigo do meu pai”, se empenha em desqualificar.
Em depoimento em 2016, o pai de Marcelo, Emílio Odebrecht, contou que a obra no porto cubano não estava nos planos da Odebrecht nem do BNDES. Afirmou que a ideia partiu do caudilho venezuelano Hugo Chávez, num encontro na Venezuela, e foi apoiada por Lula da Silva. Uma completa ação entre amigos. Na inauguração, Marcelo Odebrecht estava lá, com a então presidente Dilma Rousseff, ao lado do ditador cubano Raúl Castro.
Agora, com Lula da Silva em sua terceira passagem pelo Palácio do Planalto, Cuba volta a negociar uma dívida claramente impagável para um país em profunda crise econômica desde que perdeu a mesada soviética, além de sofrer embargo dos Estados Unidos. A incapacidade financeira de Cuba para honrar seus compromissos era, portanto, notória, e o calote, mais do que esperado.
É imperioso que os gestores públicos respeitem um dos principais critérios financeiros: dívida é dívida e, como tal, tem de ser paga. Principalmente quando se trata de dinheiro público e, ainda mais relevante, quando se trata de relação comercial entre países. O BNDES está sendo ressarcido por parte dos prejuízos com dinheiro do erário brasileiro. No caso de Cuba, o Fundo Garantidor de Crédito, do Ministério da Fazenda, já pagou US$ 273 milhões. E ainda há 11 prestações a serem pagas, de acordo com dados do próprio banco.
Flexibilização de dívida é um procedimento normal entre credor e devedor, o que não significa, obviamente, fazê-la descer a um nível tão baixo que se assemelhe a um perdão. No passado recente, Cuba lastreou parte do empréstimo em recebíveis da indústria estatal de tabaco. Espera-se que a benevolência petista com os companheiros cubanos não leve à quitação de US$ 500 milhões em charutos.