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Democracias prisioneiras do medo

A perspectiva de uma reedição da disputa entre Biden e Trump nos EUA expõe dilemas de democracias que, como no Brasil, têm dificuldade de encontrar sangue novo e ideias novas

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Por Notas & Informações
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O presidente americano, Joe Biden, anunciou que concorrerá à reeleição em 2024. No fim do ano passado, o ex-presidente Donald Trump, derrotado por Biden em 2020, também anunciou que concorrerá à nomeação dos republicanos. É improvável que os democratas se amotinem contra o incumbente. As primárias republicanas são mais incertas, mas, hoje, Trump lidera as intenções de voto dos afiliados do partido.

O fenômeno desconcertante é que as pesquisas apontam que só 5% dos americanos gostariam de ver a disputa Biden-Trump reeditada – 70% não gostariam que Biden disputasse e a mesma proporção não gostaria que Trump disputasse. A se confirmar uma repetição de 2020, será uma batalha pela menor rejeição.

A disputa à reeleição de um incumbente é – não só, mas principalmente – um referendo. Biden tem resultados razoáveis. Valendo-se de sua experiência de 36 anos no Senado, ele conseguiu aprovar reformas no sistema de saúde e um pacote de US$ 1 trilhão para investimentos em infraestrutura e transição para a economia verde. Na política externa, fez mais do que ninguém para frear o assalto da Rússia à Ucrânia e tem se empenhado em revigorar as alianças ocidentais.

Mas não é nisso que aposta para ganhar as eleições. O vídeo em que anunciou sua candidatura não faz menção a conquistas passadas ou futuras, exceto uma: vencer Trump. Após uma sucessão de imagens da invasão do Capitólio e referências a “extremistas MAGA” (sigla para Make America Great Again, lema trumpista), Biden arrematou: “Vamos terminar o serviço”, insinuando que só ele pode fazê-lo. O anúncio de Trump também se resumiu a reciclar o medo: dos imigrantes, da epidemia de opioides, do crime, da sexualização de crianças, da China e outras ameaças que, de novo, só ele poderia superar.

A aposta de Biden pode render. Sua impopularidade líquida (a diferença entre os que o aprovam e desaprovam) é de 10 pontos; a de Trump, 19. Sua inclinação a abraçar o protecionismo e subsídios à indústria tem apelo popular e responde às ansiedades de potenciais eleitores de Trump com a globalização. O disruptivo Trump, por sua vez, motiva como ninguém os democratas a irem às urnas, desmobiliza os republicanos moderados e afasta os eleitores independentes, decisivos para as eleições americanas. Após 2016, Trump só colecionou reveses eleitorais.

Ainda assim, não se pode subestimá-lo. Os problemas que ele exagera não deixam de ser reais. A economia, crucial para um incumbente, ainda atravessa uma turbulência: a inflação (em parte pelos gastos de Biden) pressiona e os riscos de recessão não estão afastados. Uma crise geopolítica por viradas inusitadas na Ucrânia ou conflitos na Ásia pode desestabilizar o governo de Biden, ecoando o desastre no Afeganistão. E sua aposta pode malograr: as pesquisas de intenção de voto sugerem que ele venceria Trump, mas perderia para outros presidenciáveis republicanos.

Seja lá qual for seu resultado, a disputa presidencial que se avizinha expõe uma exaustão da política americana. Há uma dificuldade de encontrar ideias novas e sangue novo. O incumbente democrata terá 82 anos em 2024, enquanto Trump, seu possível adversário, terá 78. Ou seja, a política dos EUA parece ter sido incapaz de produzir líderes mais jovens depois do fenômeno Barack Obama, que se elegeu aos 47 anos.

Não é um fenômeno exclusivo dos EUA. O último segundo turno no Brasil registrou a maior média etária em toda a redemocratização. Se os dois candidatos tivessem enfatizado suas propostas, ficaria explícito que foram forjadas nas mentalidades de esquerda e de direita dos anos 70. Mas não precisaram, porque ambos também apostaram no medo um do outro. Ambos tinham altos índices de rejeição, e venceu o que teve ligeiramente menos.

EUA e Brasil são as duas maiores democracias do Ocidente. Assim como em outras, as disputas políticas estão sendo orientadas mais à repetição do que à inovação e estão sendo vencidas mais pelo temor do que pela esperança. Independentemente das preferências ideológicas à esquerda ou à direita, essa política gerontocrática e amedrontada sugere um esgotamento cívico que pede um profundo exame de consciência por parte da sociedade.