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Demonstração de fraqueza

Fiasco do ato no Rio, que deveria servir para Bolsonaro exibir força popular em favor do projeto para livrá-lo da prisão, mostra que essa pauta só interessa ao ex-presidente, e não ao País

Por Notas & Informações
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Jair Bolsonaro fracassou miseravelmente ao convocar um ato em Copacabana que reuniria “1 milhão de pessoas”, segundo sua projeção, com o evidente propósito de demonstrar força política às vésperas do julgamento da denúncia oferecida contra ele ao Supremo Tribunal Federal (STF). No domingo passado, até fez calor na orla mais famosa do Brasil, mas, se houvesse um termômetro no calçadão do Posto 5 para medir a capacidade de Bolsonaro para mobilizar as massas em torno de uma pauta que só interessa a ele – a anistia aos golpistas –, o aparelho teria congelado em pleno verão carioca.

Especialistas nesse tipo de monitoramento, de diferentes entidades, calculam que havia entre 18 mil e 30 mil pessoas, número muito abaixo do que o bolsonarismo costuma mobilizar, sobretudo no Rio, reduto do ex-presidente. Diante desse fiasco, foi comovente o esforço do governador do Rio, o bolsonarista Cláudio Castro (PL), de fazer parecer que havia mais gente – 400 mil pessoas, segundo o cálculo doidivanas da Polícia Militar fluminense.

Seja qual tenha sido o número de cidadãos que saíram de casa para emprestar apoio a um golpista que ainda insiste em atacar as instituições republicanas e insinuar que venceu a eleição de 2022, é fato que havia muito menos gente em Copacabana do que Bolsonaro imaginou que haveria. Parece evidente que o poder mobilizador de Bolsonaro está diminuindo, o que é uma péssima notícia para quem precisa de apoio político para escapar da prisão e uma ótima notícia para um Brasil exausto das patranhas do capitão.

Restou claro que o perdão aos golpistas, absolutamente inaceitável num país que se pretende sério, não é uma pauta do Brasil. Não é nem sequer pauta de uma direita responsável, uma direita que, genuinamente, preocupa-se em oferecer uma alternativa político-eleitoral ao governo de turno coadunada com os anseios comuns à maioria dos brasileiros. A anistia é uma agenda que só interessa a Bolsonaro, uma espécie de boia para o encalacrado ex-presidente à beira de acertar suas contas com a Justiça.

Desde o início de sua vida pública, Bolsonaro se notabilizou pela insurgência contra os princípios democráticos mais elementares. Sempre foi um vândalo político, personificando, com o passar do tempo, as figuras do mau militar, do mau parlamentar e, enfim, do mau presidente. Ao longo desse tempo, Bolsonaro sempre se safou. Quando deveria ter sido expulso em desonra do Exército, concertou-se uma saída no âmbito do Superior Tribunal Militar (STM). Quando deveria ter sido expelido da Câmara dos Deputados por quebra de decoro um sem-número de vezes, contou com o espírito de corpo. Quando deveria ter sido apeado da Presidência da República em razão da pletora de crimes de responsabilidade que cometeu, Bolsonaro contou com o cálculo político de seus adversários.

Agora, que a pesada fatura de seus ataques à democracia parece estar chegando, Bolsonaro, decerto muito angustiado com o destino jurídico-penal que o aguarda, parte em sôfrega campanha por uma anistia que não tem lugar num Brasil que se projeta mais civilizado e mais democrático no futuro. Nem que para isso ele tenha de ludibriar seu próprio público com a falácia de que estaria preocupado com “as senhoras idosas” que teriam sido condenadas pelo STF por sua participação nos atos golpistas. É possível avaliar que, de fato, o STF pode ter sido excessivamente severo ao dosar as penas de determinados condenados pela insurgência violenta contra a eleição de Lula da Silva, algumas delas somando mais de 17 anos de prisão. Outra coisa, muito diferente, é pugnar pelo perdão dos que tentaram derrubar a ordem constitucional vigente desde 1988 como nunca se tentou desde a redemocratização do País.

Ao apresentar a anistia como se fosse uma prioridade nacional, Bolsonaro abastarda uma das principais conquistas da sociedade nestes 40 anos de Brasil redemocratizado: a luta pelo aprimoramento de nossa democracia não se coaduna com o perdão àqueles que tentaram destruir suas fundações. Como ficou claro, o povo brasileiro não apoiará quem, por conveniência, tenta manipular a memória coletiva e distorcer os fatos em benefício próprio.