O estrago causado pelas políticas identitárias nas mais importantes universidades americanas, com destaque nas últimas semanas para a Universidade Harvard, é uma lição a ser aprendida. A reitora, Claudine Gay, primeiro compactua com o antissemitismo, sendo extremamente complacente com ele. Presa ao esquema mental identitário de equiparar os judeus a brancos opressores, que poderiam ser assim discriminados e, mesmo, perseguidos pelas turbas universitárias esquerdistas. Segundo, foi acusada, com razão, de plágio, não conseguindo nem mesmo reescrever os textos plagiados. Um escândalo para uma professora. Em seus 26 anos de docência, publicou 11 artigos sem expressão e nem um único livro.
A pergunta que deve ser colocada, porém, é a de como uma pessoa sem nenhuma qualificação conseguiu galgar um cargo de tamanha importância. Nem competência administrativa e empresarial tinha, algo valorizado pelos americanos, visto que muitos reitores são escolhidos por sua capacidade gerencial e de arrecadação de fundos. A resposta parece ser óbvia: foi a cor da sua pele, sendo egressa do departamento de estudos africanos e afro-americanos. A sua cor foi elevada à fonte de qualificação, tendo sido o mérito completamente menosprezado. Seu argumento de que teria sido vítima de racismo não se sustenta, pois a reitora da Pensilvânia, Elizabeth Magill, foi obrigada a renunciar por razões semelhantes sendo branca, loira!
Acontece, contudo, que esse esquema de universidades americanas está sendo transplantado para as universidades brasileiras e adotado pela esquerda identitária. Procuram ocupar todos os espaços de poder, cancelando os que deles discordam. Qualquer opinião divergente é logo tida por racista, machista ou homofóbica, interditando o diálogo e a discussão. É a censura do politicamente correto tomando o lugar da liberdade de pensamento, uma das maiores conquistas do Ocidente.
A teoria da racialização, racismo de signo contrário, choca-se frontalmente com a realidade e com os brasileiros que se autointitulam “pardos”, distinguindo-se, assim, dos pretos e brancos. Formam uma categoria à parte e não podem ser ditos “negros”, salvo para os ideólogos da esquerda identitária, avessa à verdade. O Brasil, conforme a pesquisa do IBGE, é um país mestiço.
Segundo o Censo de 2022, 45,3% da população brasileira respondeu ser parda aos recenseadores do IBGE. Aqueles que se identificam como brancos somaram 43,5%. Em 2010, no último Censo realizado, os brancos somavam 47,71% e os pardos, 43,09%. Aqueles que se identificavam como pretos somavam 7,6%, em 2022, são 10,2%. A autoidentificação é predominantemente mestiça, visto que os entrevistados não se reconhecem nem como brancos nem como pretos. Se quisessem se identificar como negros, diriam que são pretos; se quisessem se identificar como brancos, diriam que são brancos. Logo, pardo ou mestiço não é um subgrupo de negro! Se valesse a tese do subgrupo, poderia ser dito subgrupo de branco. Imaginem se a tese da racialização predominasse: os seus censores, os que definem o que os outros são, deveriam começar a fazer estatísticas bizarras: 25% branco e 75% preto, 50% branco e 50% preto, 75% branco e 25% preto. Quem decidiria? Deveria ser criado um tribunal da racialização, com os identitários no poder!
Os resultados da aplicação da teoria da racialização são esdrúxulos. Segundo os seus defensores, todo pardo é negro e, claro, todo negro é afrodescendente. Todavia, essa soma só existe nessa narrativa. Poderia ser dito da mesma maneira eurodescendente. Ademais, no mundo real muitos pardos não têm nenhuma relação com pretos ou afrodescendentes. Aliás, a soma de pretos com pardos produz verdadeiras aberrações. A cidade de Boa Vista do Ramos, no Amazonas, é a cidade com maior proporção de pardos do Brasil, isto é, 92,7%. São filhos de brancos com indígenas, mas interpretados como se fossem filhos de ex-escravos pretos. Há poucos afrodescendentes na Região Norte. Contudo, no Amazonas os pardos são 69%. Resultado do identitarismo: se os pardos são negros, então há mais negros no Amazonas do que na Bahia.
A progressão da mestiçagem é a interpretação óbvia para o aumento da identificação parda no Censo 2022. Entretanto, há outras duas. Hoje existem inúmeros benefícios (supostamente) disponíveis para aqueles que se identificam como pardos: cotas, por exemplo. Mas há outra razão: há uma demonização do branco promovida na cultura, pela academia e especialmente pelas escolas via doutrinação política. Ser branco, segundo a narrativa identitária, é ser o vilão da história. Eis o buraco sem fundo em que caiu a esquerda.
Se a autodeclaração fosse levada em consideração, o Brasil teria o Dia da Consciência Parda, comemorado como emanação antirracialista da população, e não um dia da Consciência Negra, como foi promulgado pelo presidente Lula da Silva. Seria uma legislação em sintonia com a história mestiça do brasileiro, e não algo ideologicamente imposto.
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PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR
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