Ser antissemita tornou-se fashion no campo da esquerda. Os grupos identitários esmeram-se em um racismo invertido, denominado de racialismo, vindo a identificar os judeus ao branco opressor. Como em todo campo de pobreza intelectual, os opositores dos judeus, no caso, os palestinos, seriam então os oprimidos. O Hamas, nessa simples polarização, seria então nada mais do que o representante dos oprimidos, quando, na verdade, é o seu próprio senhor. Não há pior inimigo dos palestinos do que esses terroristas.
São, na verdade, genocidas, voltados para a extinção do Estado de Israel, em sua própria carta de fundação apregoando o antissemitismo mais explícito, utilizando-se de um panfleto antissemita, produzido pela polícia tzarista, para produzir mais essa aberração intelectual. É um longo caminho do universalismo de Marx, Lenin e Trotsky aos preconceitos dos antissemitas e aos legitimadores do terrorismo islâmico.
Deveria causar repulsa a retomada do antissemitismo pelo PT, seja de uma forma escancarada, como a de José Genoino, seja a disfarçada, de Lula da Silva. Um apregoando o boicote às “empresas de judeus” (algo feito por Hitler nas Leis de Nuremberg de 1935) em seu apoio ao Hamas; o outro procurando florear seus preconceitos em nome de “direitos humanos” ao considerar “genocídio” a defesa dos israelenses em resposta ao massacre (pogrom) do 7 de outubro. Até para condenar o Hamas a sua língua empaca, mas se torna loquaz na condenação de Israel.
O caso de Genoino é particularmente interessante. No século passado, agora longínquo, escreveu um belo livro sobre as relações entre o socialismo, a liberdade e a democracia, procurando conciliá-los em uma perspectiva eurocomunista. Era uma retomada dessa doutrina italiana em sua crítica à experiência comunista, stalinista. No Brasil, seus representantes eram Carlos Nelson Coutinho e Leandro Konder.
José Genoino seguia o caminho de uma esquerda democrática, o de repensar a democracia e a liberdade enquanto valores universais, para chafurdar, agora, na lama antissemita. Infelizmente, parece não ser apenas um caso individual, porém uma tendência recente da esquerda mundial. Curiosamente, o PT, após várias declarações antissemitas, ainda que sob o disfarce bastardo do antissionismo, de alguns de seus dirigentes, deixou o ex-presidente do partido ao léu. Foi literalmente abandonado, por razões estritamente eleitorais: a péssima repercussão pública do antissemitismo declarado. Só o disfarçado é permitido.
Lula, por sua vez, adotou a máscara de um suposto “humanismo”, que se aplica a todos, salvo evidentemente aos judeus e aos adversários da esquerda. Mulheres judias foram estupradas pelo Hamas, no que configura crime de guerra, quando o silêncio se abateu sobre as feministas e os petistas. Em sua estratégia de guerra, o Hamas infiltrou-se na sociedade palestina, tornando os seus membros indistinguíveis dos civis. Apoderaram-se de hospitais, mesquitas e escolas da ONU para perpetrarem atos de terror. Homens, mulheres e crianças tornaram-se escudos humanos em um outro flagrante crime de guerra. Agora, se Israel exerce um ato militar de autodefesa, Lula e sua equipe de política externa apressam-se a caracterizá-lo como “terrorismo” ou “genocídio”. A ideologia esquerdizante produz a cegueira, a ponto de poder-se colocar a seguinte questão: há intelectuais petistas? De duas, uma: ou a pessoa é petista e não pensa ou pensa e não é petista.
Observe-se que o ministro das Relações Exteriores e os dirigentes petistas assumiram o papel de porta-vozes do Hamas. Não cansam de repetir as cifras de mortes dos palestinos, sem que possam minimamente ser verificadas. Citam mais de 20 mil mortos, como se lá só civis morressem. Não há combatentes mortos? Terroristas se volatizam nos números? Israel estima em mais de 9 mil mortos entre os militantes do Hamas. E os foguetes do Hamas e da Jihad Islâmica que atingem hospitais palestinos? São computados como atos do Exército de Israel? Por que, haver-se-ia de perguntar, aceitar as cifras de Israel e não as do Hamas? Por uma razão bem simples: um é um Estado totalitário, sem nenhuma liberdade de expressão, de crítica e de averiguação; o outro, um Estado democrático, onde tudo pode ser criticado. Em Gaza, não há contestação possível; em Israel, as ruas se enchem de contestatários ao governo de Benjamin Netanyahu.
Por último, utilizar o truque da África do Sul para justificar qualquer decisão tomada por esse país é mais uma pérola identitária, como se a cor da pele fosse um critério decisivo. Ainda recentemente, esse país recebeu um dos “senhores da guerra” do Sudão com tapete vermelho. Também terminou por apoiar o massacre de Darfur, por muitos considerado como “genocídio”. Ainda no tempo de Nelson Mandela, estreitos eram seus laços com Muammar Kadafi e Yasser Arafat.
Dois pesos e duas medidas não é um bom critério de política externa, salvo se ela for doravante seguir o caminho da ideologia identitária e esquerdista em geral.
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PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR
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