A vitória de Donald Trump nas eleições dos EUA, ganhando, além da presidência pelo voto nacional e pelo Colégio Eleitoral, ademais o Senado e a Câmara dos Representantes, teve um forte impacto. Sobretudo, porque a maior parte da mídia apoiou descaradamente Kamala Harris, fechando os olhos para o avanço do republicano. Pesquisas eleitorais, por exemplo, apontavam para uma disputa acirrada, quando a realidade já era outra. Vejamos, a propósito, alguns desses pontos.
Xingamento. Não houve, em boa parte da cobertura jornalística, análise propriamente do que estava ocorrendo, prevalecendo o xingamento e críticas acerbas. Até parecia que a cobertura, cada vez mais enviesada, tinha como alvo o prestígio do analista junto à esquerda, exibindo um profundo alheamento da realidade. Quando se abandona o mundo das categorias analíticas, das ideias desprovidas de vieses, cai-se em posicionamentos ideológicos, que não conseguem mais ver os fatos, tornados meras narrativas.
Lula. Como sempre, nosso presidente excele em despropósitos, como se a sua bolha esquerdista fosse a realidade propriamente dita. Em sua campanha eleitoral, o engodo foi a tal “frente ampla democrática”, enquanto a sua concepção de diplomacia presidencial torna-se claramente autoritária, com os alinhamentos os menos democráticos possíveis. Agora, quando a vitória de Trump se aproximava, cometeu a gafe de seguir com Kamala Harris, considerando o republicano como representante do fascismo e nazismo. Provavelmente, nem será convidado para a posse do novo presidente. Ao assumir novamente posições de extrema esquerda, só prejudica o Brasil.
Mapa eleitoral. O mapa eleitoral resultante das eleições americanas é do maior interesse. Os Estados em azul, que votaram em Harris, são os das costas leste e oeste, os demais Estados, em vermelho, correspondendo aos eleitores de Trump. Ora, são esses Estados os mais ricos, concentrando boa parte da economia digital. Ou seja, os mais ricos votaram em Harris, de esquerda, enquanto a classe trabalhadora votou em Trump, de direita. Inclusive, a campanha da democrata teve maiores contribuições financeiras, ficando o republicano com menores valores.
‘Woke’. A esquerda ficou chique, alinhando-se completamente aos identitários. A classe trabalhadora ficou para trás, abandonada. Sua conexão foi com a cor da pele, a questão de gêneros, o dito pensamento neocolonial, que não pensa, aliás, tendo uma amostra sua nas manifestações pró-Hamas e pró-Hezbollah nas universidades americanas, compactuando com a desigualdade das mulheres, assassinatos, estupros e assim por diante. Agora, todos se espantam com a eleição de Trump, que é nada mais do que uma reação contra as elites, consideradas woke.
Os trabalhadores. Os trabalhadores e a classe média em geral votaram de acordo com os seus interesses, visando ao seu bem-estar material, não sendo alcançados pelas narrativas ditas “progressistas”. Sua preocupação central concentrou-se em suas condições de vida, erodidas pelo aumento da inflação nos últimos anos, pela perda de poder aquisitivo, pelo crédito caro seja imobiliário, seja de automóveis. Perceberam uma clara deterioração de sua posição social. Os trabalhadores, independentemente de serem brancos, negros ou hispano-americanos, votaram em Trump por defenderem os mesmos interesses, e não como identitários.
Harris presidente. Imaginem Harris como presidente woke, implementando nacional e internacionalmente a política identitária! Inclusive os seus partidários consideram que perdeu por não ter sido ainda mais identitária! O divórcio da realidade chega a ser estrondoso. Note-se que ela se alçou à posição de vice-presidente em uma composição de Joe Biden com a ala mais à esquerda de seu partido. O atual presidente, ele mesmo, não assume essa posição.
Imigração. Outro fator da derrota democrata consistiu na imigração ilegal, que ganhou enormes proporções. Harris, quando designada por Biden para tratar dessa questão, simplesmente fracassou, não sabendo ao certo o que fazer. Abriu um amplo espaço para o discurso de Trump, para além dos excessos dele. Os trabalhadores, inclusive os imigrantes legais, têm medo do afluxo desses novos concorrentes, reagindo a eles. O medo rege o seu comportamento, e não narrativas genéricas e ineficazes. Trump, astutamente, soube aproveitar-se dessa situação.
Lógica eleitoral. Por último, cabe distinguir entre a lógica eleitoral e a de governo. Os discursos eleitorais, goste-se ou não, não são propriamente promessas, mas se situam em uma demagogia específica, visando tão somente à vitória. Quando no governo, as ideias podem mudar, passando a obedecer à lógica de como administrar o país e, no caso dos EUA, sua posição no mundo. Devemos atentar agora ao que Trump vai fazer. Cabe aos democratas revisarem suas posições se quiserem vir a ser no futuro uma alternativa eleitoral. O mesmo vale para a esquerda em nível internacional. Duro aprendizado a ser feito.
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É PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS. E-MAIL: DENISROSENFIELD@TERRA.COM.BR
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