Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Descaramento cabal

O STF descobre, ora vejam, que governo e Congresso ignoram veto ao orçamento secreto

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Por Notas & Informações
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O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), deixou claro que nem o Congresso nem o governo federal demonstraram, “de forma cabal”, o cumprimento da decisão da Corte, que em novembro de 2022 considerou inconstitucional e proibiu o chamado orçamento secreto. Ao analisar um pedido de organizações da sociedade civil, Dino mostrou que, ao contrário do que dizem representantes dos Poderes, variantes permitiram que a aberração orçamentária instituída nos últimos anos resistisse ao tempo e seguisse vivíssima: a distribuição de emendas parlamentares continua sob distintos nomes e modelos, que desembocam no mesmo problema, isto é, o descumprimento de princípios constitucionais como publicidade, impessoalidade e eficiência. À margem da inconstitucionalidade declarada pelo STF, os cupins do dinheiro público seguem ativos e famintos.

Têm longa vida os males que ajudaram a deformar o manejo do Orçamento da União. A ampliação, a imposição e a diversificação das emendas parlamentares começaram ainda no mandato de Dilma Rousseff. Em 2015, as emendas se tornaram impositivas, saltando de um patamar de R$ 9 bilhões para R$ 15 bilhões em 2017, durante o governo de Michel Temer. Em 2019, com Jair Bolsonaro, um novo triunfo para o Congresso: a impositividade das emendas coletivas, de bancada – essas, ao menos, distribuídas com certo controle e equidade. Mas as hostes clientelistas viram a mais generosa oportunidade com as antigas emendas de relator, identificadas com a sigla RP-9, e com as transferências especiais sob o rótulo de “emendas Pix”, também conhecidas como “cheque em branco”, realizadas diretamente pelos parlamentares em suas bases eleitorais e repassadas de maneira arbitrária e opaca.

Lula da Silva tocou a mesma música do antecessor, e a distribuição de parte significativa do Orçamento seguiu assim orientada por critérios essencialmente políticos, não técnicos – muito menos morais ou republicanos. Prefeituras associadas a parlamentares recebem mais recursos do que outras por obra e graça dessa proximidade, e não pela comprovação de sua necessidade. Além de secreto, portanto, trata-se de um orçamento destinado a quem tem bom padrinho. Com a violação da decisão de 2022, que supostamente pôs fim ao orçamento secreto, mantêm-se abertas as comportas que fazem jorrar emendas parlamentares, oficiais e oficiosas, mas, como afirmou o ministro Flávio Dino, a “mera mudança de nomenclatura não constitucionaliza uma prática classificada como inconstitucional pelo STF”.

Agora, em seu despacho, o ministro determinou a criação de uma comissão para discutir uma conciliação, incluindo representantes dos Três Poderes, do Ministério Público e do PSOL, autor da ação original. É a demonstração cabal, esta sim, de uma disfuncionalidade que opera em todos os níveis: um STF que não conseguiu fazer valer sua decisão, um Congresso cada vez mais senhor do Orçamento e um Executivo que, incapaz de gerir sua coalizão de partidos com eficácia, ajuda a inflacionar ainda mais o jogo das negociações políticas.