O governo brasileiro tomou a infeliz decisão de endossar a denúncia por “genocídio” contra Israel apresentada à Corte Internacional de Justiça (CIJ) pela África do Sul no fim de dezembro. Pouco importa se esse alinhamento decorre de ignorância, cálculo político ou má-fé do presidente Lula da Silva e dos acólitos que o orientam na condução da política externa. O fato é que o Brasil só tem a perder se imiscuindo dessa forma lamentável numa questão muitíssimo complexa – e para a qual não está devidamente apetrechado para exercer qualquer influência relevante.
Em primeiro lugar, é preciso ter claro que o caso apresentado pela África do Sul não leva em conta o fato de que Israel foi atacado por um grupo terrorista cuja missão declarada é exterminar os judeus. Ademais, identifica intenções genocidas em declarações de autoridades israelenses, o que é obviamente insuficiente para caracterizar o crime. Ou seja, não tem bases fáticas e jurídicas sólidas o bastante para instruir uma acusação séria de “genocídio”, nada menos, perante a CIJ. É verdade que Israel, ora governado pela coalizão mais extremista de sua história, tem cometido atos que podem certamente se caracterizar como crimes de guerra em Gaza. Daí a acusar o país de cometer “genocídio” contra os palestinos, no entanto, vai uma distância enorme.
Ademais, não é trivial acusar de “genocídio” um país cuja existência se legitimou justamente por causa da tentativa de genocídio do povo judeu na Europa por parte da Alemanha nazista. Também é particularmente grave acusar Israel de “genocídio” sem considerar que o país só atacou Gaza depois de ter sofrido um massacre inaudito por parte de um grupo palestino que defende a dizimação do povo judeu.
A tipificação do crime de genocídio, aliás, foi a resposta da comunidade internacional à dimensão extraordinária do Holocausto. Ou seja: não é qualquer crime de guerra que pode ser caracterizado como genocídio. Por esse motivo, os chefes de Estado e de governo devem ser extremamente cautelosos ao imputar a alguém ou a algum país a prática de genocídio, sob pena não só de cometer injustiças, mas de banalizar o próprio crime.
Lula da Silva, como é notório desde sempre, carece dessa prudência. Ciente de que a acusação de “genocídio” contra Israel é voz corrente entre a militância esquerdista no Brasil e no mundo, Lula adere ao exagero retórico na expectativa de parecer um humanista, sem se preocupar muito com as consequências práticas de seus atos e palavras em relação aos interesses do Brasil que ele governa.
Se havia algo que o Brasil poderia ganhar ao se envolver no conflito no Oriente Médio era a confiança tanto de israelenses como de palestinos, dada a tradição de equilíbrio do País nas suas relações internacionais, para se apresentar como um dos possíveis mediadores do conflito. Agora, nem isso. Ao posicionar o Brasil ao lado de um dos contendores de forma escancarada, Lula mina essa confiança, sem que fique claro o que o Brasil ganha em troca – a não ser, é claro, o aplauso dos ditadores e autocratas do tal “Sul Global”, bloco liderado por China e Rússia, que se presta a antagonizar o Ocidente.
Enquanto se dispõe a ser bastante assertivo na condenação de Israel, contudo, Lula tem sido bastante compreensivo com a Rússia do ditador russo Vladimir Putin depois que esta, sem qualquer justificativa, invadiu a Ucrânia e cometeu ali uma série de crimes de guerra. Tampouco se recorda de qualquer iniciativa de Lula para criticar a repressão desumana que a China empreende contra a minoria uigur em seu território. Nada como a solidariedade entre os sócios do “Sul Global”.
Lula vende a ilusão de que é um estadista. Mas decisões como essa, de apoiar uma acusação infundada de “genocídio” contra Israel, só revelam que ainda lhe falta o básico para esse reconhecimento: a cautela diplomática e a firmeza na defesa de princípios humanistas acima de qualquer interesse político-ideológico.