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Doce exílio

Nos EUA, Eduardo Bolsonaro anuncia que não voltará ao Brasil e que denunciará a ‘ditadura’ no País. Ora, ditadura de verdade foi a de 64, que os Bolsonaros vivem a celebrar

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Por Notas & Informações
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A fuga do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) para os EUA, sob a tresloucada justificativa de que o Brasil, ora vejam, estaria sob regime de exceção, emite um potente sinal político. A família Bolsonaro jogou a toalha e já dá como favas contadas a condenação e a prisão de Jair Bolsonaro pelos crimes dos quais o ex-presidente foi acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no âmbito da tentativa de golpe de Estado para aferrá-lo ao poder em 2022. E à medida que Bolsonaro se aproxima desse encontro com o destino, aos membros de seu clã parece não haver alternativa a não ser reivindicar, no Brasil e no exterior, a condição de “perseguidos políticos” por uma “ditadura”.

Ora, ditadura de verdade, sem aspas, é o que vigorou de 1964 a 1985, período no qual muitos cidadãos brasileiros não tiveram escolha senão exilar-se no exterior porque as alternativas eram a prisão e a tortura. Pois é essa ditadura que os Bolsonaros e seus seguidores frequentemente celebram, há décadas.

A “ditadura” denunciada pelo sr. Eduardo Bolsonaro, por outro lado, é pitoresca. Nela, recentemente, Jair Bolsonaro pôde liderar livremente uma manifestação política no Rio de Janeiro, na qual os bolsonaristas expressaram sua hostilidade ao Judiciário. Ademais, que ditadura é esta da qual um dos deputados mais bem votados do Brasil se apresenta como “vítima”, malgrado manter intocados seus direitos políticos e suas prerrogativas parlamentares?

Portanto, se nesta história canhestra há um inimigo declarado do Estado Democrático de Direito, este é o próprio sr. Eduardo Bolsonaro, useiro e vezeiro em desmoralizar as instituições republicanas. Trata-se de alguém que já disse que, para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF), bastam “um cabo e um soldado”.

O Brasil, obviamente, não está sob regime de exceção. Jair Bolsonaro e sua prole têm plena consciência disso. Afinal, na condição de entusiasmados admiradores de uma ditadura de verdade, sabem exatamente reconhecer quando estão diante de uma. De modo que cada lágrima derramada pelo ex-presidente e por Eduardo e cada palavra dos discursos tão enfadonhos quanto grandiloquentes contra a “ditadura do STF” e a “morte” da democracia no Brasil não querem dizer outra coisa senão o reconhecimento do clã Bolsonaro de que o destino político e penal do chefe está traçado e, diante disso, o mundo político à direita virou a página e já articula o pós-Bolsonaro à vista de todos, ainda que acenos precisem ser feitos ao capitão de olho nos votos que ele ainda é capaz de arregimentar.

Dito isso, é de justiça reconhecer que a família Bolsonaro não é a única responsável por este circo armado em torno da existência de uma suposta “perseguição política” no País. Convém lembrar que partiu dos deputados petistas Lindbergh Farias (RJ) e Rogério Correia (MG) o estapafúrdio pedido à PGR para que o passaporte de Eduardo Bolsonaro fosse apreendido, acusando-o de tramar contra o Brasil no exterior. Em boa hora o pedido foi rejeitado pela PGR e a queixa-crime contra Eduardo Bolsonaro, arquivada pelo ministro Alexandre de Moraes, o que enfraquece ainda mais a tese da “perseguição”.

É evidente que o STF, há muito tempo, tem tomado decisões juridicamente controvertidas contra bolsonaristas, como se a democracia brasileira ainda estivesse sob ataque permanente. Este jornal não tem se furtado a fazer críticas contundentes às exorbitâncias da Corte cometidas em nome de uma suposta defesa do Estado Democrático de Direito. Em que pesem esses abusos, que de resto devem ser corrigidos pelo plenário do próprio STF, não se pode falar em “ditadura” no Brasil sem falsear a realidade dos fatos.

O que está em curso, portanto, é um esforço deliberado da família Bolsonaro para fabricar uma história de martírio político que sirva não apenas para galvanizar sua base de apoio mais fiel, mas também para abrir portas no exterior em busca de simpatizantes dispostos a comprar a patranha e, quem sabe, mudar a sorte de quem tem uma pesadíssima conta a acertar com a Justiça brasileira.