O presidente Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional, com honrosas exceções, achincalharam a Constituição e a Lei Eleitoral para forjar um “estado de emergência” e criar um punhado de benefícios sociais às vésperas da eleição. O objetivo era óbvio. Desde a origem, saltava aos olhos a natureza oportunista desse derrame de recursos públicos em ano eleitoral, principalmente o aumento temporário de R$ 200 nas parcelas do Auxílio Brasil.
Ninguém de boa-fé contesta a necessidade de o Estado prover condições mínimas de subsistência para nossos concidadãos que foram lançados na pobreza extrema nos últimos anos. Milhões de brasileiros passam fome todos os dias e isso é absolutamente inaceitável em qualquer país decente. A questão central sempre foi a definição das políticas públicas para acabar com a miséria de forma responsável e, sobretudo, sustentada.
O improviso do pacote de benesses no ano eleitoral, combinado com indecência e pouco-caso com a ordem jurídica do País, fica ainda mais explícito às vésperas do encaminhamento da Proposta de Lei Orçamentária Anual (Ploa) 2023 pelo Poder Executivo.
A poucos dias do fim do prazo para envio da Ploa 2023 ao Congresso Nacional, o Palácio do Planalto ainda não faz ideia de como bancar o Auxílio Brasil no valor de R$ 600 a partir de janeiro. A lei que instituiu o benefício permanente (Lei n.º 14.342/2022) estabelece o valor de R$ 400. O pagamento das parcelas adicionais de R$ 200, autorizado pela promulgação da chamada PEC Kamikaze – também conhecida como PEC Eleitoral –, só está garantido até o fim deste ano. A Ploa 2023, portanto, prevê que o Auxílio Brasil será pago no valor de R$ 400 a partir do dia 1.º de janeiro.
Com aquela desfaçatez característica, Bolsonaro qualifica como fake news as justas ponderações sobre a incerteza da manutenção do pagamento do Auxílio Brasil no valor atual. Mas, de fato, nada garante que os beneficiários continuarão a receber R$ 600 no ano que vem. A menos que se tome como garantia apenas a palavra do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira.
Há poucos dias, o ministro afirmou no Twitter que os que “torcem pelo pior” tomarão um “banho de água fria”, pois, “no dia seguinte à vitória do presidente Jair Bolsonaro nas eleições”, Ciro Nogueira estará “com o Congresso tratando das medidas” que o governo “pretende aprovar” para garantir o pagamento dos R$ 600 do Auxílio Brasil em 2023.
Ora, não se trata de “torcer pelo pior”. É uma questão aritmética: até este momento não há recursos para cumprir as promessas de Bolsonaro e Ciro Nogueira. Já se viu do que o atual governo e seus operadores políticos são capazes para aprovar benefícios populistas, em detrimento da saúde das contas públicas; logo, não se descarta que o “banho de água fria” nos realistas, prometido pelo ministro da Casa Civil, venha na forma de uma nova manobra orçamentária contrária às regras fiscais e à Constituição. Para quem dá calote em precatórios e admite que o teto de gastos é “retrátil”, como fez este governo, limites fiscais não existem.
Já o petista Lula da Silva, líder das pesquisas de intenção de voto, garantiu que o Auxílio Brasil de R$ 600 vai continuar no ano que vem, caso ele seja eleito, mas tampouco indicou de onde pretende tirar o dinheiro para isso. Sempre que fala do assunto, diz que esse tipo de gasto é “investimento”.
Sem uma nesga de compromisso com a transparência e com a responsabilidade, atributos de um bom administrador público, Lula anda pedindo que os eleitores simplesmente “olhem para o passado” e confiem que, do futuro, cuida ele. Dado o histórico do petista, isso soa quase como uma ameaça.
Em recente entrevista à imprensa estrangeira, Lula voltou a afirmar que “o teto de gastos parece coisa para garantir os interesses do sistema financeiro”. Em encontro com empresários do setor de construção civil, o petista disse também que “não tem medo de dívida do Estado” e que “dinheiro público bom é dinheiro em obra”.
E assim, com dois inconsequentes na liderança da corrida presidencial, o País flerta perigosamente com mais um desastre.