Passou o primeiro turno das eleições municipais e São Paulo já definiu a composição da Câmara de Vereadores para os próximos quatro anos. A disputa para o cargo de prefeito segue aberta e se decidirá no dia 27 deste mês. Muitas já foram as análises sobre a campanha eleitoral, seus embates e figurantes, e não é o caso de repeti-las. No entanto, em vista do exercício do mandato dos eleitos, cabem algumas reflexões.
Afinal, a que serve a ação política da cidade, se não for para pensar, organizar e cuidar bem da cidade? Na disputa pelo voto, coloca-se em evidência, geralmente, o viés ideológico, o cálculo partidário e só Deus sabe lá que outros interesses não proclamados nos discursos. Não deveria o bem da cidade ser o primeiro e mais importante objetivo dos mandatos conferidos pelo povo aos eleitos?
A cidade de São Paulo, com suas imponentes edificações e estruturas físicas, sua organização administrativa, seus múltiplos serviços e organizações sociais, econômicas e culturais, seu centro, seus infindáveis bairros e muito mais, tudo isso existe em função do seu povo. E quanto povo! São milhões de pessoas de todos os extratos sociais e culturais, de todas as origens étnicas, os bem empregados e os não empregados, os fortes e saudáveis, as crianças e jovens, os enfermos e fragilizados pela idade, os que têm e os que não possuem o necessário para viver. Já se disse que São Paulo é, ao mesmo tempo, a cidade mais rica e a mais pobre do Brasil. Meca das oportunidades de todo tipo, ela também é sonho para os que ficam à margem das oportunidades. O que pode ser feito para que São Paulo seja, de fato, de todos que nela habitam?
A cada cidadão cabe fazer a sua parte e promover a solidariedade para que ninguém seja esmagado pelo ritmo frenético da megalópole. Mas cabe sobretudo aos representantes do povo pensar com generosidade e grandeza a cidade como um todo, e traçar políticas públicas eficazes para promover o bem comum onde mais se faz necessário. São Paulo possui demandas antigas, cuja solução vai sendo protelada, arriscando entregá-las em mãos erradas. A questão habitacional atinge milhões de paulistanos que moram em condições precárias. Um criterioso planejamento habitacional urbano para as extensas periferias pobres requer investimentos condizentes. A isso somam-se os problemas fundiários, há muito pendentes de solução.
São Paulo ainda não teve deslizamentos de encostas urbanas, como houve em outras cidades do Brasil. Mas há desastres à vista, bastando visitar os morros das periferias e ver como as casinhas se equilibram nas encostas, à espera do que pode acontecer com as chuvaradas do verão. Não caberia uma séria política de prevenção de tais desastres, que sempre acabam cobrando um custo alto em vidas e investimentos posteriores? O saneamento básico, há décadas, está a clamar por soluções eficazes. Córregos que viraram canais de esgoto a céu aberto por toda parte envergonham a cidade, são um risco à saúde e uma humilhação à dignidade das pessoas que ali vivem.
O trabalho é, certamente, a chave de solução para a maioria dos problemas sociais. A cidade poderia ousar bem mais para proporcionar oportunidades de trabalho aos que não conseguem um emprego. Haveria muitas possibilidades, mesmo para quem não possui uma qualificação para os empregos de ponta. A partir do trabalho e da remuneração justa, as pessoas recuperam sua dignidade social e conseguem prover melhor às suas necessidades básicas. Muitos empregos poderiam ser gerados com uma zeladoria mais cuidadosa da própria cidade, para deixá-la mais limpa e bonita, sem tantas paredes pichadas e feias. Muitas mãos desocupadas poderiam dar um novo colorido a muros e paredes, revelando capacidades criativas escondidas. Há muita calçada quebrada e mal arrumada, muito buraco ainda nas ruas, muita escola clamando por melhor apresentação externa e interna. O cuidado do verde e dos espaços públicos poderia dar ocupação a muitas pessoas. Isso poderia acontecer no centro e nos bairros da imensa periferia.
E o que dizer da situação dolorosa dos caídos ao longo das ruas e Cracolândias, vítimas dos mercadores da morte com as drogas ilícitas? E os moradores de rua, a exploração aviltante de pessoas, a violência que assusta, a ocupação irregular do solo urbano e das reservas naturais ainda existentes? Vai continuar tudo assim mesmo? Caberia ainda falar da educação, saúde, transporte, cultura. Quanta riqueza e quanta carência nesta cidade imensa, que somos todos nós!
Nossos representantes, legisladores e administradores, são chamados a olhar para tudo isso com senso de responsabilidade. São Paulo precisa de um grande pacto político de todas as forças vivas da cidade, mas sobretudo dos representantes escolhidos pelo povo, para pensar o mandato menos em função de interesses ideológicos e partidários particularistas e muito mais em função das verdadeiras e urgentes demandas do bem comum nesta cidade, que nos acolheu e que amamos.
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CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO
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