No dia 27 de outubro passado, encerrou-se no Vaticano a 16.ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que se dedicou ao tema “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”. O que estava em questão era a superação da concepção da Igreja como uma instituição clerical, para olhá-la como o conjunto dos batizados, o “povo de Deus” que crê e segue o Evangelho de Jesus Cristo. Nesse povo, todos participam dos mesmos bens espirituais e são chamados a caminhar unidos, na busca da grande meta da existência, que é o encontro derradeiro com Deus. E todos os seus membros participam da missão de anunciar e testemunhar o Evangelho do reino de Deus no mundo.
A assembleia do Sínodo, de fato, retomou e atualizou a reflexão sobre a Igreja, presente na Constituição Dogmática Lumen Gentium, do Concílio Vaticano II. A preparação e a realização da assembleia sinodal foram marcadas por uma metodologia sinodal, com uma consulta ampla às bases da Igreja, que são as paróquias, dioceses e organizações dos cristãos leigos e consagrados a Deus na vida religiosa. O papa Francisco insistia em dizer que era preciso ouvir e dialogar com todos. Ao processo de escuta, seguiu-se um longo tempo de discernimento nas Conferências Episcopais e nos organismos continentais da Igreja, como o Conselho Episcopal Latino-Americano. Finalmente, tendo por base as muitas contribuições recolhidas, fez-se a reflexão e o discernimento em duas sessões da assembleia sinodal, com a participação de mais de 300 membros, procedentes de todas as partes do mundo católico. Da assembleia sinodal resultou o documento final, publicado logo após ser votado pelos participantes, no dia 26 de outubro. O documento está disponível na internet.
Muitas expectativas foram criadas sobre possíveis mudanças que o Sínodo poderia introduzir na vida da Igreja. Alguns também manifestaram temores sobre eventuais desvios que o Sínodo poderia desencadear. E houve aqueles que tentaram influenciar as pautas sinodais mediante a pressão da opinião pública sobre os participantes da assembleia. É compreensível que isso aconteça, mas as pressões externas, geralmente, têm pouco efeito sobre os trabalhos na sala sinodal. Além disso, o Sínodo é um organismo consultivo da Igreja e não lhe cabe tomar decisões, a não ser que o papa assim disponha, e no limite das competências próprias de um Sínodo. O organismo colegiado apto a tomar decisões vinculantes na Igreja é o Concílio.
Mesmo sem tomar decisões, a assembleia elaborou indicações importantes para uma prática eclesial mais adequada àquilo que a Igreja de Cristo deve ser em vista da realização de sua missão. Embora a sinodalidade da Igreja pareça algo novo, o seu conteúdo é tão antigo quanto a própria Igreja. As qualidades e a dinâmica da “Igreja sinodal” estão presentes nas próprias origens apostólicas da Igreja e, por isso, ela é chamada a se orientar continuamente, ao longo da sua história, por essas características essenciais que fazem parte da natureza da Igreja. Mais do que nunca, no atual momento histórico, essa volta às origens mostra-se necessária para a renovação interna da Igreja. Por isso, o papa Francisco determinou que se ouvissem todos os segmentos do corpo eclesial, para perceber melhor quais são as carências, as necessidades e as urgências da missão da Igreja em todo o mundo.
Não é simples promover mudanças na Igreja e nem tudo nela depende de decretos pontifícios. A Igreja Católica é um organismo, complexo, com enormes diversidades legítimas quanto às suas manifestações culturais e contextos históricos e sociais. Não se trata de meras mudanças organizativas, doutrinais ou funcionais e não se pensa numa uniformização da Igreja. Embora ela tenha em toda parte a mesma profissão de fé, a mesma doutrina, os mesmos preceitos morais, a mesma autoridade referencial, ela está inserida numa incrível variedade de experiências históricas, sensibilidades culturais e religiosas e relações sociais. As mudanças atualmente necessárias dizem respeito, sobretudo, à autocompreensão da Igreja, povo de Deus, à sua mensagem e àquilo que ela significa para o mundo; às suas relações internas e ao envolvimento de todos os seus membros na missão.
O documento da assembleia sinodal indica que essas mudanças serão alcançadas através de um processo de conversão em diversas dimensões. A primeira delas é a conversão a Deus. Como organismo religioso inserido na História, a Igreja precisa ser dócil às inspirações do Espírito de Deus. Além disso, é necessária a conversão das relações internas na Igreja, para que todos, verdadeiramente, participem do seu bem. Por fim, é fundamental a conversão dos processos de envolvimento na missão da Igreja para o seu dinamismo testemunhal e missionário.
Se a Igreja vai alcançar essas mudanças a médio ou longo prazo, é difícil prever. Mas é importante que ela tenha uma consciência renovada daquilo que é chamada a ser, desde a sua origem.
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CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO
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