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Dom Odilo Scherer, arcebispo metropolitano de São Paulo, escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião | Em Lisboa, a face jovem da humanidade

A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) foi ocasião para fomentar a cultura do encontro, capaz de abater muros e construir pontes

Foto do author Dom Odilo P. Scherer

Na primeira semana de agosto realizou-se em Lisboa a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que ocorre, em média, a cada quatro anos. Uma multidão de jovens de todo o mundo, mesmo enfrentando dificuldades nada indiferentes – como longas viagens e preços a pagar, os vistos obtidos por alguns com certas dificuldades, as caminhadas intermináveis e o programa intenso –, encheu as ruas de Lisboa de alegria e esperança. O papa Francisco participou dos momentos mais importantes, de 2 a 6 de agosto.

Mais de 1,5 milhão de jovens de todos os países, com a exceção de apenas um, encheram ruas e praças de Lisboa com seus cantos e bandeiras. Foi da Espanha o grupo mais numeroso, com cerca de 80 mil participantes. O Brasil esteve representado por mais de 10 mil jovens. Por uma semana, a humanidade e a Igreja Católica mostraram ao mundo a sua face jovem, com toda a sua diversidade étnica e cultural. Os jovens levaram na bagagem a variedade infinita de experiências de seus povos e países, com suas alegrias e sofrimentos, angústias e esperanças, que compartilharam com outros jovens. E visitaram igrejas, museus, restaurantes e monumentos e tiveram a acolhida calorosa da população. Apesar dos inevitáveis desconfortos no trânsito, não se ouviu falar de nenhum inconveniente criado à cidade, tomada por essa onda jovem.

O que foram buscar em Lisboa esses jovens e o que lhes deu tanta motivação e energia para enfrentarem esses dias, que não foram de passeio turístico, mas de programação intensa, com deslocamentos constantes de centenas de milhares de pessoas para os locais dos encontros? O papa os convidou para um grande encontro com Deus e eles tiveram momentos fortes de reflexão e oração para fazer a experiência do amor de Deus ao longo da JMJ. Francisco tratou-os com carinho paternal.

Foram encontrar outros jovens, oriundos dos mais diversos lugares do mundo, animados pelo mesmo anseio juvenil na busca do sentido da vida, de respostas às suas inquietações. E puderam interagir com outros jovens, com os quais, talvez, nunca mais se encontrarão, mas com eles permanecerão unidos, sabendo-se companheiros nas mesmas jornadas da vida, não importando onde vivam. A JMJ ofereceu uma experiência de humanidade que, no fim das contas, traz os mesmos anseios no coração; e foi ocasião para fomentar a cultura do encontro, capaz de abater muros e construir pontes.

A JMJ proporcionou momentos formativos sobre temas voltados para o desafio da crise climática e ambiental, a amizade social e a misericórdia, três questões caras ao magistério do papa Francisco. A crise climática fazia-se sentir também na pele dos participantes, pelo calor intenso do verão europeu. Os jovens, geralmente informados sobre os problemas ambientais desencadeados pela economia industrial e a sociedade de consumo, externaram sua preocupação diante do futuro e se perguntavam sobre o que podem fazer para cuidar melhor da casa comum, para evitar catástrofes, conflitos sociais e guerras em decorrência da crise climática. Como cuidar da natureza para que ela possa nos abrigar e nutrir no presente e também no futuro? Engana-se quem pensa que o tema não tem relação com fé religiosa, e os jovens percebem bem as implicações da questão com a fé no Deus criador, a justiça e a responsabilidade social, a ética e a moral.

Os jovens também foram sensíveis à reflexão sobre a amizade social, pois trazem no coração o anseio por um mundo sem conflitos e ódios, sem discriminações e exclusões. O tema, desenvolvido pelo papa Francisco em diversos momentos do seu pontificado, sobretudo na encíclica Fratelli tutti (Vós sois todos irmãos), os levou a perguntar: como superar conflitos, extremismos, preconceitos, o fechamento ao estrangeiro e a quem é diferente e que pensa diversamente de nós? Como sanar feridas nas relações sociais e políticas, para desenvolver relações abertas e solidárias, atentas ao diálogo, às necessidades e ao direito do próximo?

A amizade social, de alguma forma, é a extensão a grupos sociais mais amplos, de atitudes e qualidades próprias da amizade entre pessoas. Isso requer disposição para ouvir e dialogar, sem imposição nem violência, onde a prepotência e os preconceitos não tenham lugar. A amizade social, marcando as práticas do convívio social e das relações institucionais, também tem relação com a fé em Deus e a moral. No ensinamento cristão, o primeiro de todos os mandamentos (“amar a Deus sobre todas as coisas”) e o segundo (“amarás o teu próximo como a ti mesmo”) estão intimamente entrelaçados.

A terceira reflexão desenvolvida com os jovens da JMJ versou sobre a misericórdia. O ser humano não é perfeito, ao contrário: está envolto em fragilidade e necessita de atenta compreensão, acolhida e cuidado. A misericórdia é a capacidade de abrir o coração ao próximo. A misericórdia é bela e desarmante. Deus é misericórdia e todos precisamos dela no caminho da vida. Não será a vontade de poder, mas a misericórdia que, finalmente, salvará o mundo.

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CARDEAL-ARCEBISPO DE SÃO PAULO

Opinião por Dom Odilo P. Scherer

Cardeal-arcebispo de São Paulo

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