A tentativa de Pablo Marçal (PRTB) de criar um “movimento” para chamar de seu ao feitio do bolsonarismo, o “marçalismo”, foi muito bem-sucedida. Sem tempo de TV nem qualquer estrutura partidária, esteve a poucos milhares de votos de conseguir um lugar no segundo turno da eleição paulistana. Para seus propósitos, foi uma vitória: obviamente desqualificado para ser prefeito de São Paulo, o indigitado usou a eleição para monopolizar as atenções do Brasil todo, ofuscando praticamente todas as outras disputas e todos os outros postulantes. Surge como candidato natural à Presidência, projeto que ele fez questão de anunciar logo após os resultados em São Paulo, e seu sucesso certamente servirá de inspiração para outros tantos desqualificados como ele.
Por esse motivo, roga-se que a Justiça Eleitoral e a Justiça Comum façam seu trabalho. Só a punição implacável desse impostor sinalizará a outros vândalos políticos que suas “estratégias de campanha”, eivadas de crimes, mentiras, agressões e falsificações, não têm lugar numa democracia que preste. E a democracia brasileira já deu mostras de que sabe se defender quando é atacada por seus inimigos, sejam poderosos ou franco-atiradores.
Que não se repita o grave erro, de resto hoje evidente, de não se ter alijado da vida pública o então deputado federal Jair Bolsonaro quando este, no ano 2000, desrespeitou flagrantemente o decoro parlamentar e a democracia ao defender reiteradas vezes o fuzilamento do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Antes disso, o sr. Bolsonaro já havia pregado nada menos que o fechamento do Congresso.
Como dissemos em editorial neste espaço naquela época, “figuras dessa espécie, que envergonham a instituição parlamentar, em qualquer lugar do mundo, dela têm que ser expelidas num processo natural de limpeza, pois a democracia também tem que saber administrar, com tranquilidade, o escoamento de seus dejetos”. Como sabemos, faltou saneamento básico no Congresso, Bolsonaro seguiu emporcalhando a política nacional, chegou à Presidência da República fazendo do ultraje sua estratégia eleitoral e fez escola, polvilhando Legislativos e Executivos pelo Brasil afora com pupilos que se esforçam para superar o mestre em desfaçatez e ignorância. Um deles, afinal, conseguiu. Pablo Marçal provou-se ainda mais ultrajante, num nível que assustou até mesmo alguns bolsonaristas.
O Judiciário nem precisa procurar muito para condená-lo. Pululam evidências do comportamento criminoso de Marçal durante a campanha. Fazer pouco-caso das leis e da Constituição, aliás, foi algo que o próprio candidato converteu em tática eleitoral, como a sinalizar a apoiadores o seu “destemor” para enfrentar o “sistema”. A bem da verdade, tudo não passou de delinquência. E isso é inaceitável.
Sem disfarçar um certo orgulho transgressor, Marçal praticamente completou o bingo das irregularidades e crimes eleitorais, além de possíveis delitos comuns que também possa ter cometido. Há tipos para todos os gostos: (i) abuso de poder econômico, (ii) abuso dos meios de comunicação, (iii) injúria, calúnia e difamação eleitorais, (iv) divulgação de fatos inverídicos e (v) falsidade ideológica eleitoral. São tantas e tão evidentes as provas produzidas pelo próprio coach que, em alguns casos, a investigação propriamente dita será questão de mera formalidade.
Toda a campanha de Marçal foi concebida como uma espécie de Blitzkrieg para desorganizar a disputa eleitoral em seu favor. Não condenar Marçal à inelegibilidade tão logo o permitam os ritos processuais significaria mais do que premiar a antipolítica que ele encarna. Seria a consagração da delinquência como método aceitável para chegar ao poder. No mundo ideal, os partidos políticos deveriam exercer esse filtro e evitar a ascensão de candidatos como Marçal. Mas as legendas não só têm falhado miseravelmente nessa missão, como algumas delas têm estimulado os celerados que demonstrem alguma viabilidade eleitoral. À falta desse controle político, então, que a Justiça faça a sua parte. Razões para isso, como foi dito, não faltam.