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É hora de desistir de Angra 3

Não se trata de rejeição à fonte de energia nuclear, mas de uma questão sobre quem pagará a conta de uma decisão equivocada que vem sendo referendada pelo governo há quatro décadas

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Por Notas & Informações

O governo está prestes a decidir se vai ou não retomar as obras de Angra 3. Há mais de 40 anos, a conclusão da usina nuclear é uma pedra no sapato de diferentes administrações. O problema nunca foi a fonte de energia em si, mas o custo de um projeto que se tornou cada vez mais alto ao longo do tempo, ensejando dúvidas sobre até que ponto valeria a pena gastar ainda mais dinheiro com o empreendimento.

Segundo o BNDES, a tarifa necessária para garantir a viabilidade econômico-financeira de Angra 3 seria de R$ 653,31 por megawatt-hora (MWh), considerando tudo o que já foi gasto no projeto e o que ainda falta para concluí-lo. Também segundo o banco, terminar a usina exigirá investimentos de R$ 23 bilhões, enquanto abandoná-la custaria R$ 21 bilhões.

Diante de uma diferença tão pequena de valores, a decisão pareceria fácil, mas os Ministérios da Fazenda e de Minas e Energia discordam sobre o que deve ser feito. Enquanto a Fazenda teme que a retomada gere prejuízos à União, o ministro Alexandre Silveira tem uma visão “intransigente” a favor do término da obra.

Com base nos mesmos números, a estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE) calculou o quanto a retomada de Angra 3 custaria ao consumidor. De posse do estudo, o Estadão revelou que seriam até R$ 61,55 bilhões a mais nas contas de luz dos brasileiros ao longo de 40 anos a partir de 2031.

A relação custo-benefício parece duvidosa. Se o governo optasse por termoelétricas a gás no lugar de Angra 3, o consumidor gastaria muito menos – ao todo, R$ 21,09 bilhões. É uma comparação bastante justa, pois, em ambos os casos, se trata de energia firme e produzida 24 horas por dia, o que amplia a segurança do sistema elétrico.

Angra 3 já consumiu R$ 12 bilhões em valores históricos e tem 65% das obras concluídas. Possui, no entanto, uma tecnologia mais antiga que a atualmente adotada, o que torna sua conclusão especialmente desafiadora.

Os benefícios da conclusão de Angra 3, segundo a EPE, seriam indiretos e não mensuráveis. A estatal mencionou a não emissão de gases de efeito estufa, a geração de empregos de alta qualificação e o estímulo à indústria nuclear e à segurança do sistema elétrico, dado que a usina, diferentemente de fontes intermitentes, ficaria acionada o tempo todo.

Abandonar a usina no estágio em que se encontra, por óbvio, também geraria custos. A diferença é quem pagaria por eles. Seriam R$ 21 bilhões, mas eles incorreriam, sobretudo, à Eletrobras, que contratou os empréstimos com o BNDES e a Caixa, e incluem rescisão de contratos, devolução de benefícios fiscais, desmobilização da obra e custo de oportunidade sobre o capital investido.

O consumidor, por outro lado, não teria qualquer prejuízo financeiro. E dado que há alternativas mais baratas, um dos principais especialistas em energia do País, o ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Jerson Kelman, defende o abandono da obra. Para Kelman, diante dos números, se o governo entende que precisa incentivar o setor nuclear, cabe a ele assumir todo o custo da usina.

“Usinas nucleares não emitem gases de efeito estufa e geram energia continuamente, ao contrário das fontes eólica e solar. Se estivesse funcionando, Angra 3 seria útil para o sistema elétrico. Como não está, cabe perguntar se concluí-la seria a alternativa de mínimo custo para o consumidor de eletricidade. A resposta é não”, afirmou.

Não se trata de um dilema técnico nem de preferência ou rejeição a uma fonte de energia, mas de uma questão sobre quem pagará a conta de uma decisão equivocada que vem sendo referendada há décadas sem perspectiva real de que a usina efetivamente produza energia um dia.

Tampouco parece ser um acaso que a Eletrobras, atualmente uma companhia sem controlador definido em bolsa, esteja disposta a triplicar o número de assentos da União em seu Conselho de Administração para se livrar do problema que a usina se tornou e repassá-lo integralmente ao governo. Que o governo tenha a coragem de defender o consumidor e corrigir esse erro de maneira definitiva.