Por mais difícil que seja, na prática, conciliar o direito de defesa de Israel e os direitos humanos dos palestinos, os dois objetivos – maximizar a destruição militar e política do Hamas e minimizar a desgraça dos civis – não só são, em tese, compatíveis, como são indispensáveis. Aniquilar o Hamas fazendo de Gaza terra arrasada só aprofundará o caos que vomitará mais ressentimento, radicalismo e violência. Poupar os civis poupando o Hamas é um convite a mais agressões a Israel e opressão aos palestinos. Em ambos os casos o caminho para uma coexistência pacífica e próspera entre os dois povos será obliterado.
Israel começou a guerra com a solidariedade internacional e um consenso sobre seu direito de defesa. Em pouquíssimo tempo – horas até, em alguns casos – o 7 de Outubro foi esquecido e consolidou-se outro consenso: o de que a reação de Israel é “desproporcional”. Hoje Israel está isolado, e para grande parte da opinião pública global sua guerra é indefensável.
A recente resolução do Conselho de Segurança da ONU sobre Gaza é paradigmática. É um sinal da disfuncionalidade da ONU que a resolução não tenha condicionado o cessar-fogo à libertação dos reféns; é um sinal de sua infâmia que não tenha condenado o Hamas; é um sinal do isolamento de Israel que seu principal aliado, os EUA, tenha retirado sua tradicional sustentação diplomática, abstendo-se. Israel vence batalhas militares, mas o Hamas vence a guerra política.
Um triunfo do Hamas, contudo, não será apenas o fracasso de Israel, mas do mundo e dos próprios palestinos. Ansioso por deter Israel, o mundo abandona a questão crucial: como derrotar um regime totalitário que oprime seu povo e quer exterminar os judeus e, no limite, subjugar todos os povos ao islã? Os dois objetivos – maximizar os danos ao Hamas e minimizar os danos aos palestinos – se mantêm indispensáveis, mas, em nome da paz e da prosperidade dos palestinos, o último eclipsou o primeiro, ameaçando a paz e a prosperidade de todos, incluindo os palestinos. Em nome de uma paz instantânea, mas ilusória, porque insustentável sem a justiça, o mundo está exercitando sua força para impedir Israel de vencer batalhas militares, quando deveria pressioná-lo a corrigir os rumos e vencer a batalha política.
Esta não é uma guerra convencional. O Hamas não quer simplesmente ser deixado em paz em Gaza. O grupo terrorista (e seu mandatário, o Irã) quer aniquilar Israel e para isso precisa excitar o ódio nos muçulmanos e a ojeriza no mundo contra os israelenses. Se o Hamas se preocupasse com a paz e a prosperidade dos palestinos, teria perseguido a solução de dois Estados. Se se preocupasse em proteger os civis, batalharia nas linhas de frente. Mas o Hamas torpedeou os Acordos de Oslo, desviou os recursos de Gaza para construir túneis e bases militares sob hospitais e escolas e usa a população não só como escudo, mas como camuflagem e munição humanas para sacrificar o máximo de civis. A morte de cada civil é atroz, mas nas condições desta guerra não só urbana, mas subterrânea e traiçoeira, a proporção de 1 soldado para 1,3 a 2 civis não é uma atrocidade de Israel, muito menos genocídio.
O verdadeiro crime de Israel não está na ação de seu Exército, mas na recusa do governo em prover suporte humanitário adequado, abrigo para os civis refugiados e ordem nos territórios ocupados, além de uma estratégia política e um canal de interlocução com os palestinos pacíficos, os árabes e todos que buscam reconstruir a Palestina e garantir a coexistência pacífica e próspera dos dois povos. A meta dos amigos da paz e da justiça deveria ser chamar os israelenses à razão e pressionar seu governo rumo a esses objetivos.
Israel deveria pensar o seu futuro como os israelitas que, segundo o livro bíblico de Neemias, reconstruíram sua nação após o exílio da Babilônia: com uma espada em uma mão (contra o Hamas) e uma pá na outra (junto com os palestinos). É verdade que, sob risco existencial, Israel abandonou a pá e tomou a espada com as duas mãos. Mas atar as mãos de Israel sem abater o Hamas não trará mais paz, prosperidade e justiça. Só mais violência, miséria e iniquidade.