A Operação Lava Jato foi promovida por três instituições de Estado: a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Justiça Federal. Nenhuma das três instituições tem competência para fazer política partidária ou para atuar politicamente no País. O papel delas, cada uma dentro do seu âmbito, é contribuir para a vigência e a aplicação do Direito. Dessa forma, a Lava Jato, em respeito à própria natureza da operação e a seus resultados, não deve ser usada ou estar envolvida em questões político-eleitorais. Seu âmbito é outro.
No entanto, neste ano, as duas mais conhecidas figuras da Lava Jato, o ex-juiz Sérgio Moro e o ex-procurador Deltan Dallagnol, promoveram suas candidaturas ao Senado e à Câmara dos Deputados, respectivamente, usando como trunfo eleitoral a operação. Aproveitaram-se de uma atuação do Estado, bancada com o dinheiro de todos os brasileiros, para fazer política partidária. O ex-magistrado da 13.ª Vara Federal de Curitiba ainda valeu-se do prestígio da Lava Jato para promover a campanha da mulher, Rosângela Moro, a uma vaga na Câmara.
A contradição é notória. Uma operação estatal cujo objetivo era apurar diferentes modalidades de desvio de recursos públicos para fins particulares – pessoais ou partidários – tornou-se ela mesma instrumento para promover objetivos particulares: a eleição de ex-funcionários públicos e seus parentes. No entanto, parece que os eleitores não viram maiores problemas no uso eleitoreiro da Lava Jato. No Paraná, Sérgio Moro elegeu-se senador com 1.953.159 votos (33,5% dos votos válidos) e Deltan Dallagnol foi o candidato a deputado federal mais votado no Estado, com 344.917 votos. Em São Paulo, Rosângela Moro recebeu 217.170 votos, conquistando uma vaga na Câmara.
Os três foram eleitos com o mesmo mote: dar continuidade à Lava Jato no Congresso. E, como se pôde ver no dia 2 de outubro, isso conta com intenso apelo popular. Ou seja, foi uma boa tática eleitoral. De toda forma, como a própria Operação Lava Jato mostrou ao País, a régua na República não deve ser a aprovação popular, e sim a lei. A transformação da Lava Jato num projeto político-partidário representa um significativo retrocesso institucional, como se os órgãos de Estado que a promoveram tivessem um lado político. É, por exemplo, um enorme dano à imagem do Poder Judiciário que um ex-juiz faça campanha eleitoral dizendo que ele sempre teve por inimigo um determinado partido político. Ao atuar assim, ele desprestigia não apenas seu trabalho como juiz, mas a própria Justiça, que deve ser sempre imparcial politicamente.
Todo esse quadro fica ainda mais confuso quando, valendo-se da bandeira do combate à corrupção para angariar votos, Sérgio Moro e Deltan Dallagnol falaram na campanha eleitoral apenas e tão somente da corrupção nos governos petistas. Essa seletividade de tratamento ficou ainda mais notória quando recentemente o ex-juiz e o ex-promotor pediram voto para Jair Bolsonaro no segundo turno.
Durante a Operação Lava Jato, Sérgio Moro e Deltan Dallagnol ficaram conhecidos por serem exímios descobridores de indícios de lavagem de dinheiro. Agora, no entanto, parecem adotar outros padrões de exigência, apoiando à Presidência da República um candidato que nunca esclareceu a fonte de R$ 25,6 milhões em dinheiro vivo, usados por sua família na compra de 51 imóveis – indício nada desprezível de lavagem de dinheiro.
No caso do ex-juiz, o apoio à reeleição do presidente é ainda mais constrangedor. Em abril de 2020, ao anunciar sua demissão do Ministério da Justiça, Sérgio Moro acusou Jair Bolsonaro de tentar interferir na Polícia Federal, coisa que, “a despeito de todos os problemas de corrupção dos governos anteriores”, disse o ex-juiz, não tinha acontecido durante a Lava Jato. Bem ao seu estilo, Bolsonaro respondeu: “Sérgio Moro, além de traíra, é mentiroso”. São esses dois personagens grotescos que agora se abraçam no palanque.
O combate à corrupção, como causa nobre que é, merecia heróis melhores que esses.