A poucos meses das eleições e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano, um fato inusitado ocorreu no Ministério da Educação (MEC). Em uma decisão sensata, algo raro nos últimos três anos e meio, o MEC anunciou a nomeação de Carlos Eduardo Moreno Sampaio para presidir, interinamente, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) − autarquia responsável pelo Enem e pelas demais avaliações nacionais, bem como por estatísticas do setor. Servidor de carreira com mais de três décadas de casa, Carlos Moreno, como é conhecido, é um respeitado técnico que desde 2010 estava à frente da Diretoria de Estatísticas Educacionais do instituto.
A troca de comando foi anunciada na última quarta-feira pelo ministro da Educação, Victor Godoy. Moreno substituirá Danilo Dupas, um dirigente que vivia às turras com o corpo técnico do instituto e que nunca havia trabalhado com avaliações antes de virar presidente do órgão, em fevereiro de 2021. Conforme Godoy postou em redes sociais, Dupas sai “por motivos pessoais e a pedido”. O Estadão apurou, contudo, que a verdadeira razão para Dupas deixar o cargo foi um pedido do Palácio do Planalto, temeroso de que eventuais falhas na preparação do Enem ou mesmo que os constantes atritos do dirigente com servidores do instituto prejudicassem a campanha à reeleição do presidente Jair Bolsonaro.
Seja qual for o motivo, o resultado é ótimo para a educação. A longa carreira de Moreno como servidor do Inep, onde se destacou a ponto de ser condecorado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e de receber prêmio do movimento Todos pela Educação, joga luz sobre a qualificação de boa parte do corpo técnico na administração federal. Gente que domina sua área de atuação e conhece a máquina pública. Ou seja, que está disponível para contribuir para o desenvolvimento do País, mas acaba preterida por correligionários e apadrinhados. Por óbvio, isso não é exclusividade do atual governo. Sob Bolsonaro, porém, chama a atenção que servidores qualificados deem lugar a dirigentes despreparados ou sem experiência.
Vitrine dos desastres que o bolsonarismo é capaz de produzir, o MEC já deu origem a todo tipo de má notícia e mau exemplo nos últimos três anos e meio. Devaneios ideológicos, incompetência e a sombra da corrupção foram a face mais visível de um problema estrutural: falta, ao governo Bolsonaro, um projeto para que o ensino e a aprendizagem avancem no País − exceto se, por projeto, entendermos a atuação deliberada de muitos de seus dirigentes para fazer retroceder e implodir o que governos anteriores, com a participação da sociedade, lograram pôr de pé.
Exemplo dessa lógica de desmonte, o Inep foi entregue a gente sem experiência ou mesmo que não era da área. Moreno deverá assumir o cargo em 1.º de agosto, como o quinto presidente do órgão em menos de quatro anos. Vale lembrar que o ministro Godoy também é o quinto nomeado para dirigir o MEC sob Bolsonaro − o terceiro, Carlos Alberto Decotelli, nem chegou a tomar posse, enquanto o quarto, o pastor Milton Ribeiro, chegou a ser preso pela Polícia Federal, já após deixar o cargo, na investigação do chamado “gabinete paralelo” − escândalo revelado pelo Estadão em que pastores foram acusados de intermediar repasses de verbas a prefeituras.
Na guerra ideológica promovida pelo bolsonarismo, o teor das questões do Enem virou um dos alvos prediletos, a ponto de que temas como sexualidade e ditadura militar fossem evitados. Sem falar na supressão de itens considerados sensíveis na edição de 2021, como revelou o Estadão à época − Dupas foi acusado de interferência e dezenas de servidores pediram exoneração. Bolsonaro chegou a declarar, então, que as questões do Enem começavam “a ter a cara do governo”.
No momento em que o presidente busca a reeleição e vai mal nas pesquisas, o governo promove a troca de comando no Inep. E o novo dirigente não vem da grei ideológica. Pelo contrário, é um técnico que entende de avaliação e educação. Por linhas tortas, ganha a educação brasileira.