O terrível atentado contra a vida de Donald Trump, ocorrido no sábado passado durante um comício do republicano na cidade de Butler, na Pensilvânia, representa uma dramática escalada da violência política que tem marcado os EUA nos últimos anos. Nesse sentido, o crime de que Trump foi vítima há de ser vigorosamente condenado. Contudo, não se pode dizer que era imprevisível em um contexto no qual o recurso à força das armas tem sido estimulado pelo próprio ex-presidente como meio de afirmação política desde o fatídico dia 6 de janeiro de 2021.
Sim, Trump sofreu uma tentativa de homicídio. Por milagre não morreu, como atestaram as imagens que correram o mundo. Porém, não se pode perder de vista, sob o risco de faltar com a verdade histórica, que o ex-presidente é o grande responsável por essa radicalização da política americana desde que chegou à Casa Branca, em 2017. Depois de ter sido derrotado em sua tentativa de reeleição, Trump incitou a invasão do Capitólio por uma horda de apoiadores radicais que, fortemente armados e em seu nome, tentaram subverter o legítimo resultado das urnas em 2020.
Aqueles liberticidas que tomaram de assalto o prédio símbolo da democracia nos EUA sempre foram tratados por Trump como “patriotas”, não como os criminosos que são. E foi a eles que Trump se dirigiu logo após ser atingido, ainda no palanque. “Lutem! Lutem!”, bradou o ex-presidente, de punho cerrado e com sangue correndo pelo rosto. O cálculo político estava feito. A imagem que decerto marcará sua campanha eleitoral daqui para a frente estava registrada – uma declaração de guerra a uma parte do povo americano. E justo no momento em que os EUA clamam por gestos de pacificação de seus líderes.
O impacto dessa primeira reação de Trump não pode ser subestimado, não só nos rumos da campanha eleitoral, ainda desconhecidos, mas sobretudo no convívio social. Quando um líder político popular como ele toma uma violência sofrida como meio para galvanizar e radicalizar sua base, o resultado não há de ser outro senão a erosão da confiança dos cidadãos entre si e destes nas instituições democráticas.
Esse roteiro foi traçado por Trump logo após o tiro que o atingiu de raspão. A utilização daquela violência como sua principal bandeira de campanha a partir de agora – substrato para toda sorte de teorias da conspiração – reflete a disposição do candidato republicano de manipular as emoções do eleitorado para fins políticos. A ela se somarão as reiteradas mentiras que Trump dissemina sobre o processo eleitoral e a imparcialidade do sistema de Justiça dos EUA, um discurso que tem levado muitos americanos a empunhar armas para se contrapor a instituições que acreditam estar corrompidas.
A resposta de Trump ao ataque que ele sofreu não deveria ser a escalada de sua retórica inflamável e divisiva, mas um apelo ao diálogo como forma de resgate da tradição política da maior democracia das Américas. A despeito da violência praticada contra presidentes e candidatos à presidência que, lamentavelmente, marcaram o passado dos EUA, o país só se tornou a potência que é porque, ao longo de quase dois séculos e meio de história, a união dos americanos em torno de objetivos comuns foi muito mais marcante do que suas eventuais divergências.
Ao invés de capitalizar politicamente o atentado, como fez, Trump deveria fazer de seu renascimento uma oportunidade para refletir sobre o impacto de suas ações e palavras sobre o comportamento dos cidadãos que ele pretende liderar mais uma vez. Afinal, um líder genuíno busca a união, não a discórdia. Ademais, a democracia americana, farol para o chamado mundo livre, não guarda espaço para que a violência se torne um método aceitável de participação no processo político.
Mas é ocioso esperar que Trump reavalie um comportamento nefasto que, em última análise, foi exatamente o que lhe garantiu o maior triunfo de sua vida. Resta aos eleitores americanos refletir e evitar que prevaleça a sede de vingança e o atentado se torne o prenúncio de uma tragédia ainda maior.