Quando o Banco Central (BC), em seu recente Relatório de Política Monetária, deu como perdida a chance de puxar a inflação para a meta de 3% ao ano no mandato atual de Lula da Silva, não causou surpresas. A indicação de que há uma possibilidade de o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficar próximo disso somente na segunda metade de 2027 tampouco foi motivo de estresse. Na verdade, para muitos economistas a previsão carrega certa dose de otimismo.
Apesar das recorrentes declarações da diretoria do BC – inclusive nos comunicados sobre as decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) – de que a autoridade monetária persegue o centro da meta (3%) no “horizonte relevante”, situado em torno de 18 meses, cresce o entendimento de que a mira está de fato apontada para o intervalo de tolerância da meta, 1,5 ponto porcentual acima. Alguns economistas, como Sérgio Werlang, sócio da Sarpen Quant Investments e ex-diretor de Política Econômica do BC, chegam a defender o uso dessa margem “para evitar impor à sociedade um custo elevado demais pela fragilidade fiscal que temos”, como escreveu em artigo no Broadcast/Estadão.
A inflação é hoje, sem dúvida, o ponto de maior vulnerabilidade de um governo que optou pela fragilidade fiscal. E a autoridade monetária tem sido obrigada a atuar apenas na contenção de danos, como salientou o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre) Samuel Pessôa em entrevista ao jornal Valor. Pessôa ponderou que, para entregar a meta no horizonte previsto, o BC necessariamente teria de causar uma recessão grande. O mais viável, em sua opinião, é aceitar uma inflação acima de 5% em 2025 e em 2026 e esperar que, com um novo regime de política fiscal, a partir de 2027, possa buscar o centro da meta em 2028.
E assim o Banco Central segue enxugando gelo, à espera da definição de um novo governo, tentando frear a inflação enquanto Lula mantém o pé no acelerador dos gastos. Recente reportagem da rede britânica BBC mostrou que o Brasil voltou a ser o país com o maior juro real do mundo, à frente da Rússia, há três anos em guerra, e da Argentina, que tenta sair de uma grave recessão. Durante sessão comemorativa na Câmara dos Deputados pelos 60 anos do Banco Central, o presidente do BC, Gabriel Galípolo, saiu pela tangente ao ser cobrado pelos parlamentares sobre a necessidade de juros tão altos (14,25% ao ano, com grandes chances de chegar a 15%). Disse ele que alguns países precisam de “doses maiores do remédio” para conseguir o mesmo efeito.
Diplomaticamente, evitou dizer que a dose medicamentosa maior agora tenta combater os efeitos colaterais da política fiscal. O governo Lula da Silva já deu mostras de que não aceita desacelerar a economia, e hoje a grande dúvida é se a série de programas eleitoreiros que têm como pano de fundo o estímulo ao consumo está encerrada.
A prática tem mostrado que, na gestão Lula da Silva, enquanto a política fiscal tem se caracterizado pelo impulso à expansão da economia, a monetária tenta, com aumento dos juros, adequar o crescimento econômico à capacidade de oferta. Lula tem feito a economia rodar a um ritmo superior ao da produção, provocando o sobreaquecimento que tem sido o maior detonador da inflação.
No ano passado, o IPCA acumulou alta de 4,83%, e neste ano pode ultrapassar 5,5%. Desde o início da pandemia, em 2020, a inflação acumulou alta de 33,5%, destacou o economista Márcio Holland, em artigo no Broadcast/Estadão. A inflação de alimentos e bebidas no período foi maior, de 49,6%, e a inflação de alimentos no domicílio, que dá o tom da carestia nas gôndolas dos supermercados, avançou 56% desde 2020.
Holland, que foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011-2014), é categórico ao afirmar que “a causa primária de grande parte deste descontrole inflacionário” está na forte expansão dos gastos públicos para uma economia que não aumenta a produtividade do trabalho na mesma intensidade. “O tiro saiu pela culatra e o populismo fiscal rendeu a perda de popularidade do governo.” Mais claro, impossível.