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Opinião|A cidade ideal

Quem mora nos bairros-jardins não quer alteração no seu entorno. Quem mora na periferia, deseja viver na região mais central

Por Rodrigo Goulart

Qual é a cidade dos seus sonhos? A resposta produziria uma infinidade de opções, inclusive antagônicas, porque o cidadão almeja a cidade com base em seus direitos de ir e vir, morar e viver com alegria. Portanto, não há respostas erradas. Escolher onde se quer viver com qualidade são pressupostos da cidadania. Daí, é utópico pensar ser possível elaborar regras urbanísticas que atendam à pretensão de todos.

Recentemente aprovada, a revisão da Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo buscou, obrigatoriamente, adequar as disposições da “Lei de Zoneamento” ao Plano Diretor Estratégico (PDE) já aprovado. E segue o rito: o projeto de lei é elaborado por arquitetos urbanistas da Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) e apresentado à população em consultas públicas. Após ajustes, o projeto é enviado pelo prefeito à Câmara, para análise e aprovação, em dois turnos de votação, pelos vereadores. Novas audiências públicas são convocadas para registrar os pleitos e a manifestação da população sobre as alterações propostas ao texto original, gerando o substitutivo ao projeto de lei que, aprovado, segue para sanção e/ou veto do prefeito.

Quem mora nos bairros-jardins da cidade não quer alteração no seu entorno. Quem mora na periferia, deseja viver na região mais central, onde a infraestrutura é melhor, o transporte público, mais abundante, as oportunidades de trabalho, maiores.

A lei prevê um adensamento maior no entorno das redes de transporte público. Mas, colocados numa equação, matemática e democrática, a necessidade de habitação e os coeficientes de aproveitamento (possibilidade de construção em cada terreno), é demonstrado que habitações de interesse social (HIS) se afastam cada vez mais do centro para as bordas da cidade, onde a infraestrutura é absolutamente precária.

Moradores da região dos eixos não querem que estes sejam expandidos, mesmo que em pequeno porcentual, pois o transporte público já está lotado nas horas de pico, o que não se resolve com leis urbanísticas. Quem mora longe, e depende do transporte público, deseja a expansão.

Quanto a miolos de bairro e zonas de centralidade (ZCs), a maior porção da cidade, é de se supor que a resistência à alteração do gabarito se dê porque as pessoas contrárias não percebem o fato de que, no edifício mais alto, o volume de construção é rigorosamente o mesmo; a sombra produzida pelo trajeto do sol é mais democrática em razão dos recuos necessariamente maiores, enquanto nos prédios mais baixos e de mesmo volume de construção os recuos pequenos condenam alguns vizinhos à sombra permanente.

Assim, a lei aprovada não reduz a drenagem, não aumenta o número de garagens e não contraria o PDE no tocante ao adensamento. Se o volume de construção é o mesmo, a edificação mais alta resultará em menor ocupação do solo e maior capacidade de drenagem. Se o número de unidades é o mesmo, por óbvio, não traz aumento considerável de garagens. E, por fim, considerando que o volume de construção é rigorosamente o mesmo, não há adensamento, e, portanto, não contraria o PDE.

O regramento aprovado traz uma limitada alteração nos gabaritos das zonas mistas (ZMs) e ZCs quando se opta pela cota de solidariedade ou construção de habitações de interesse social. Esse pleito foi registrado nas audiências públicas, por arquitetos que fizeram ensaios e verificaram que o limite de gabarito impedia que se alcançasse o proposto no PDE. Causa tão nobre dado o déficit habitacional da nossa cidade, e ainda assim objeto de críticas por parte de quem habita essas zonas.

Da mesma forma, a previsão de que as propostas ao Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), quando tratarem de alteração de índices e parâmetros do zoneamento, cumpram o mesmo rito da Lei de Zoneamento: uma proposta por especialistas em urbanismo, outra proposta por especialistas em tombamento, submetidos os índices e parâmetros de porções do território municipal ao aval da população.

Tal previsão não esvazia a competência e o poder do Conpresp de análise e avaliação do patrimônio histórico, de propostas de tombamento e de estabelecimento de diretrizes para as áreas envoltórias. Aliás, o novo regramento prevê prazo para conclusão da análise de tombamento, o que é benéfico à dinâmica da cidade e acrescentará gradativa capacitação ao Parlamento.

Quanto à permissão de habitações de interesse social em zona especial de preservação ambiental (Zepam), criticada, uma lei estadual proibitiva de habitação nas margens das represas resultou em ocupações clandestinas em volume inimaginável. Então, não é melhor que a lei permita uma ocupação muito reduzida e ordenada?

Diante de desafios complexos, criar um texto que refletisse os desejos da população foi um trabalho árduo da maior Câmara Municipal da América Latina, com equilíbrio e total transparência, ciente do caminho até a cidade ideal – social, ambiental e economicamente justa. Nessa jornada, o manejo do interesse individual é decidido pela democracia.

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VEREADOR PELO PSD, É RELATOR DAS LEIS DO PLANO DIRETOR ESTRATÉGICO E DE PARCELAMENTO, USO E OCUPAÇÃO DO SOLO