Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião|A ciência de fronteira como motor da prosperidade do Brasil

Casos como o da Embrapa são relativamente raros no País, e criar condições para que eles se multipliquem é agora de extrema urgência

Por Jorge Moll Neto

Você provavelmente está lendo este texto na tela de um celular ou de um computador – aparelhos eletrônicos que se tornaram essenciais no dia a dia. E, muito possivelmente, já usou outros equipamentos desde que acordou, talvez sem nem perceber. Do forno de micro-ondas a automóveis ou foguetes da SpaceX, passando pelos celulares e computadores, todos os dispositivos eletrônicos modernos dependem de uma inovação fundamental: o transistor, componente semicondutor que controla o fluxo de eletricidade em nível microscópico.

Usado em quase todos os aparelhos eletrônicos modernos, o transistor é a base de circuitos integrados, microprocessadores, chips de memória e fontes de alimentação, dentre muitos outros exemplos. Invenções como essa emergem da ciência fundamental, e sua transferência para aplicações tecnológicas comerciais geram enormes riquezas materiais e intelectuais – principalmente para países detentores de sua produção.

O transistor foi inventado em 1947 no Bell Labs, nos EUA. É um exemplo fantástico de combinação de física teórica (mecânica quântica) e engenharia de materiais para a produção de uma ciência totalmente nova e disruptiva – a chamada ciência de fronteira. Criações desse tipo continuam sendo estratégicas para um país. Em seu livro O Paradoxo da Prosperidade, Clayton Christensen descreve como novos conceitos e tecnologias capazes de gerar produtos e serviços inovadores são pilares fundamentais para o desenvolvimento e prosperidade de uma nação.

Produzir ciência de fronteira é, sem dúvidas, um imenso desafio. O mundo tenta dar conta da missão, mas os esforços não parecem ser suficientes. Segundo um estudo publicado em 2020 na American Economic Review, apesar do aumento no número de pesquisadores e do investimento crescente em pesquisa e desenvolvimento, a produção de ciência realmente inovadora está em declínio globalmente.

Como, então, reverter essa tendência e assegurar o avanço da ciência? No Brasil, experiências anteriores podem indicar bons caminhos para o futuro. Uma delas é a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Criada há 50 anos, a empresa contratou e repatriou cientistas e revolucionou a pesquisa agrícola, transformando o País em uma potência nesse campo. Para isso, contudo, a ciência fundamental precisa se articular com o setor produtivo via ciência aplicada. Se hoje temos commodities importantes no agronegócio e os EUA em computadores, é porque houve enormes avanços na ciência de fronteira nos respectivos campos no passado, bem aproveitados pelo setor empreendedor.

Casos como o da Embrapa são relativamente raros em nosso país, e criar condições para que eles se multipliquem é agora de extrema urgência. O Brasil vive já há algumas décadas uma combinação ameaçadora de fatores sociodemográficos: o envelhecimento da população, associado à queda das taxas de natalidade e mortalidade e ao aumento da expectativa de vida, e uma economia que não decolou na mesma proporção. Ou seja, em breve teremos demografia de país desenvolvido e economia de país em desenvolvimento. O Brasil, diferentemente do Japão e Coreia do Sul, se tornará velho antes de enriquecer.

Diante desse desafio, nos encontramos em um momento decisivo para definir nosso futuro. Acelerar a ciência fundamental e tecnologias aplicadas, a partir do estímulo e desburocratização dos setores público e privado, é ponto passivo e fundamental para moldar o futuro do Brasil. Os impactos não se limitariam a avanços tecnológicos para poucos, mas trariam desenvolvimento social e econômico sustentável para toda a população.

Quando financiada e estruturada em um sistema livre, dinâmico e pujante, a pesquisa científica fundamental e suas aplicações são o verdadeiro motor da prosperidade. Essa é uma lição já bem aprendida nos países mais desenvolvidos, e precisa ser aplicada aqui. A responsabilidade é compartilhada. Está nas mãos de instituições científicas, empresas e agências de apoio à ciência e tecnologia, e requerem políticas apropriadas para cultivar um ambiente que estimule o trabalho, apetite pelo risco, meritocracia e, sobretudo, capacidade de gerar e transformar conhecimentos em inovações que, em seu tempo, beneficiem toda a sociedade.

*

MÉDICO, NEUROCIENTISTA, COFUNDADOR DO INSTITUTO D’OR DE PESQUISA E ENSINO (IDOR), É IDEALIZADOR DA CIÊNCIA PIONEIRA

Opinião por Jorge Moll Neto

Médico, neurocientista, cofundador do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino (Idor), é idealizador da Ciência Pioneira