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Opinião | A demonização das culturas de matriz africana no Brasil: um preconceito histórico e persistente

Ao associar práticas religiosas africanas ao mal, criava-se uma justificativa simbólica para o controle e a marginalização desses grupos

Por Baba Thalles

As religiões de matriz africana, como o candomblé e a umbanda, são parte vital da cultura e identidade brasileira. No entanto, enfrenta uma história de demonização e marginalização, fruto de preconceitos raciais e religiosos profundamente enraizados na sociedade. Isso nos leva a um questionamento crucial: por que somente as religiões africanas foram historicamente associadas ao demônio? Existe algum motivo concreto além do preconceito?

A resposta está ligada ao racismo estrutural e ao processo histórico de colonização. Quando os povos africanos foram escravizados e trazidos ao Brasil, suas crenças espirituais, que não consideravam a ideia de um “diabo” ou ser maligno absoluto, como no cristianismo, foram vistas como ameaças ao controle religioso europeu. A ideia do demônio é, de fato, uma criação do cristianismo e não faz parte das cosmologias africanas, que enxergam o universo espiritual de forma diferente. No candomblé, por exemplo, as entidades e orixás representam forças da natureza e energias equilibradas, não existindo a figura de um mal absoluto como o diabo.

A demonização dessas religiões, portanto, foi um produto do medo do desconhecido e da tentativa de consolidar o cristianismo como religião dominante. Não havia fundamento concreto para essa associação, além do preconceito racial e da necessidade de explicação da escravidão e da desumanização dos povos africanos. Ao associar práticas religiosas africanas ao mal, criava-se uma justificativa simbólica para o controle e a marginalização desses grupos.

Esse preconceito, perpetuado por séculos, continua a reverberar até hoje. A umbanda e o candomblé são frequentemente retratados como religiões exóticas ou perigosas, o que alimenta a intolerância religiosa e os ataques aos terreiros. Essa visão deturpada não se limita às atitudes individuais, mas está presente na maneira como essas religiões são retratadas na mídia, no cinema e em discursos públicos, reforçando estereótipos que associam essas práticas a crenças.

É fundamental refletir sobre que práticas espirituais indígenas e africanas são frequentemente alvo de intolerância, enquanto religiões de outras origens são mais aceitas. Essa disparidade é uma evidência clara de que o preconceito religioso, nesse caso, é também uma forma de racismo. A demonização das religiões de matriz africana é um reflexo de um sistema que desvaloriza a cultura negra.

O combate a essa demonização passa necessariamente pela educação e conscientização. As escolas precisam ensinar o valor dessas religiões como partes integrantes da cultura brasileira, e os meios de comunicação devem se comprometer a retratar essas tradições de maneira justa e respeitosa, sem fortalecer estereótipos.

A pergunta persiste: por que as religiões africanas foram ligadas ao diabo? A resposta é no racismo e na ignorância. Ao desmistificar essa narrativa, estamos corrigindo séculos de injustiça. Respeitar as culturas de matriz africana é também um passo essencial para construir uma sociedade mais inclusiva, onde a diversidade seja valorizada como um elemento.

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LÍDER RELIGIOSO DE UM TERREIRO DE CANDOMBLÉ DEDICADO À PRESERVAÇÃO E DISSEMINAÇÃO DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA E DOS ENSINAMENTOS DOS ORIXÁS

Opinião por Baba Thalles

Líder religioso de um terreiro de candomblé dedicado à preservação e disseminação da cultura afro-brasileira e dos ensinamentos dos orixás