Foto do(a) page

Conheça o Espaço Aberto na editoria de Opinião do Estadão. Veja análises e artigos de opinião em colunas escritas por convidados e publicadas pelo Estadão.

Opinião | A difícil jornada de quem vive com doenças raras no Brasil

Apesar de o País organizar a linha de cuidado em centros especializados, ainda temos muito que avançar para melhorar a atenção integral a essas pessoas

Por Carlos Mejia

O último dia de fevereiro, o dia mais raro do ano, é dedicado à luta para melhorar a vida de quem vive com doenças raras. Tanto o Dia Mundial, criado em 2008 pela Organização Europeia de Doenças Raras (Eurordis), quanto o Dia Nacional da Informação, Capacitação e Pesquisa sobre Doenças Raras, instituído por uma lei federal de 2018, buscam sensibilizar população, profissionais de saúde e autoridades sobre a existência dessas doenças e o cuidado necessário com os pacientes.

O Brasil tem sua própria definição de doenças raras: enfermidades com prevalência de até 65 pessoas a cada 100 mil habitantes. Para dar uma dimensão desse universo, somente no País são 13 milhões de indivíduos vivendo com doenças raras, número maior do que a população da cidade de São Paulo, quatro vezes a de Salvador e nove vezes a de Porto Alegre. No mundo, a estimativa é de cerca de 300 milhões de pessoas.

Quando falamos em doenças raras, enfrentamos diversos obstáculos, entre eles a dificuldade de diagnóstico. Além de existirem cerca de 7 mil doenças raras catalogadas – a maioria de origem genética e com manifestações que começam ainda na infância –, lidamos com a escassez de profissionais de saúde capacitados para identificá-las e até tratá-las.

O reduzido número de geneticistas no Brasil é um dos fatores que mais impacta o diagnóstico precoce e preciso. E, apesar de o País organizar a linha de cuidado em centros especializados, ainda temos muito que avançar para melhorar a atenção integral à pessoa com doença rara.

A jornada destes pacientes até o tratamento não só é longa, como cheia de percalços. Pelo perfil crônico, progressivo e degenerativo, as doenças raras reduzem a autonomia do paciente, com significativo impacto na qualidade de vida e repercussões em todo o núcleo familiar.

Somado a isso, os sintomas heterogêneos e relativamente comuns tendem a gerar diagnósticos incorretos e tardios, atrasando o início do tratamento. O tempo médio para o diagnóstico de uma doença rara é de aproximadamente cinco anos, o que acaba por gerar comprometimentos à saúde e reduzir as chances de um prognóstico positivo.

Infelizmente, a maioria das doenças raras ainda não tem tratamento disponível: 95% são paliativos ou focam na reabilitação; 3% são intervenções cirúrgicas ou medicamentos que amenizam os sintomas; e apenas 2% são terapias modificadoras do curso da doença.

Como forma de acelerar o atendimento a essa população, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Atenção Integral às Pessoas com Doenças Raras, em 2014, que aprova as diretrizes de cuidado no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) e institui incentivos financeiros de custeio. Com isso, os pacientes passaram a ter a chance de ser tratados pelo sistema de saúde com equidade. Porém essa ainda não é a realidade de milhares de pessoas com doenças raras que aguardam pelo tratamento.

Podemos citar algumas ações que visam a minimizar este cenário. Uma delas é o Programa Equidade da Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), que nasceu em junho de 2022 com a missão de ampliar o acesso a medicamentos e tecnologias, especialmente no sistema público. Ao longo da evolução do projeto, a associação tem identificado, por exemplo, não haver padronização, equidade de equipamentos e recursos para o monitoramento de pacientes com doenças do sangue como anemia falciforme e talassemia, e vem atuando para atenuar essas disparidades.

Como companhia, aqui, no Brasil, realizamos há três anos uma iniciativa educativa batizada de Caravana Rara, que leva geneticistas experientes para diferentes regiões do País com o objetivo de disseminar conhecimento sobre doenças raras para profissionais que atuam no atendimento primário da rede pública de saúde, ampliando as chances do diagnóstico precoce e encurtando o acesso ao tratamento adequado.

Para que as pessoas com doenças raras tenham a perspectiva de um amanhã melhor, é urgente que poderes público e privado e sociedade civil se unam para desenhar soluções conjuntas. As iniciativas perpassam pela capacitação de profissionais de saúde, investimento em terapias inovadoras e soluções de financiamento para o acesso, mas precisam ir além, para que os pacientes não sejam definidos por suas condições de saúde. Somente dessa forma os pacientes raros poderão ter acesso a um tratamento digno e equitativo.

*

É DIRETOR MÉDICO DE DOENÇAS RARAS DA CHIESI PARA A AMÉRICA LATINA

Opinião por Carlos Mejia

Diretor médico de doenças raras da Chiesi para a América Latina